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Cinema Japonês na Liberdade

Livro promove uma fascinante viagem à era de ouro dos filmes japoneses no Brasil.


A imigração japonesa no Brasil, iniciada em 1908, deu início a uma história que transformaria o país, e também cada japonês que aqui chegou, trabalhou e constituiu família. Enfrentando sempre muitas dificuldades, os imigrantes se organizaram em núcleos de apoio mútuo, e logo associações culturais e esportivas foram surgindo. A colônia japonesa, em uma tentativa de manter seus vínculos com o distante país de origem, começou a importar e exibir filmes, inicialmente em sessões itinerantes.


Filmes sem legendas, algumas vezes com cópias precárias, eram exibidos em associações da colônia para plateias de imigrantes e seus filhos, todos ávidos por sentir um gostinho do distante Japão. A partir dessa experiência, com o tempo os filmes passaram a ser exibidos em salas de cinema, tornando-se um grande evento social. Esse é o tema central do livro Cinema Japonês na Liberdade, do pesquisador Alexandre Kishimoto.


A obra relata fatos extremamente interessantes, como mostrar um fenômeno único da colônia japonesa concentrada em São Paulo, especialmente no bairro paulistano da Liberdade. Quase sempre lotados, alguns cinemas exibiam exclusivamente filmes japoneses, como os icônicos Cine Niterói e Cine Jóia, os mais famosos. Aos poucos, cinéfilos brasileiros passaram a descobrir a riqueza de estilos do cinema japonês, que se tornou uma indústria gigantesca de entretenimento já na década de 1950.


Enquanto o resto do ocidente teve contato mais intenso com o cinema japonês após Rashomon (1950), filme de Akira Kurosawa (1910~1998) que venceu o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 1951, uma parte do público paulistano já acompanhava uma vasta gama de produções.


Com base nos depoimentos de pessoas que frequentavam os cinemas da colônia, alguns deles tendo se tornado cineastas e pesquisadores, o autor identifica os filmes que os próprios estúdios japoneses produziam visando festivais internacionais. Eram geralmente do gênero jidai geki, os dramas de época, com seus cenários grandiosos e mostrando todo um lado mais exótico que interessava ao público e crítica dos EUA e da Europa, principalmente.

Uma multidão de aglomera em frente ao Cine Jóia, um dos redutos do cinema japonês em São Paulo.

Enquanto o grande público ocidental (incluindo no Brasil) tinha contato com os filmes de época que possuíam grande apelo estético, o privilegiado público paulista, com seus cinemas, teve contato com uma variedade muito maior de estilos e propostas. Dramas de cotidiano, comédias, batalhas de samurais (o gênero chanbara), dramas sociais e até histórias sangrentas não palatáveis para todo público eram exibidas em sessões geralmente lotadas.


Os cinéfilos paulistas - especialmente os paulistanos - tiveram acesso a um volume gigantesco de filmes, algo bem mais próximo da vasta produção japonesa do que qualquer outro país. Em um curto espaço de tempo, várias centenas de filmes japoneses, do mainstream ao mais alternativo, foram exibidos em São Paulo, em um fenômeno cultural único. Grandes jornais passaram a comentar e indicar filmes japoneses, atraindo pessoas de fora da colônia.


Tamanha era a bilheteria que os cinemas da colônia proporcionavam em seu auge nos anos 1960, que foi possível bancar até mesmo a viagem para o Brasil de vários astros japoneses, como Tieko Baisho, Akira Takarada e o lendário ator, cantor e compositor Yuzo Kayama.


Basicamente, a estrutura do livro é a de apresentar depoimentos de frequentadores dos cinemas como fio condutor de sua pesquisa, o que permitiu a construção de um vasto painel de percepções e sentimentos com relação aos filmes.


Bastante interessante também é mostrar a visão de críticos e diretores brasileiros que tiveram contato com o cinema japonês e por ele ficaram fascinados. A diferença de ritmo entre os filmes japoneses e os americanos também merece um olhar atento na obra, bem como a intensa politização de muitos títulos exibidos.


Em geral, os filmes de contestação de costumes, crítica social e discurso revolucionário não agradavam muito os mais velhos, que estavam em busca de um contato com o Japão mais tradicional. Para os mais velhos, era uma forma de preservar sua identidade cultural, ligada ao Japão de antes das profundas transformações sociais ocorridas no pós-guerra.

Os Sete Samurais (1954), um clássico universal.

O livro aborda também a pouco conhecida influência de filmes japoneses em obras do cinema brasileiro, durante uma fase bastante experimental e politizada. Ao abordar frequentadores dos cinemas da liberdade que se tornaram cineastas, o autor mostra como era a visão deles quando jovens, e depois, com a perspectiva da idade. Alguns reconhecem que tinham uma visão muito apaixonada pelo cinema engajado politicamente, sendo injustos em alguns posicionamentos de juventude. Também é marcante a ideia apresentada por alguns de que os filmes de monstros gigantes, que viraram febre com o sucesso de Godzilla, tenham contribuído para a decadência do cinema japonês, além do advento da televisão.


Os períodos de restrições de liberdade dos japoneses e descendentes antes, durante e após a Segunda Guerra Mundial são relatados com detalhes pouco conhecidos pelas novas gerações. Também é contada a hostilidade contra estrangeiros incentivada por Getúlio Vargas bem antes da guerra eclodir, bem como as brigas internas da colônia após o fim da mesma. O terror dos assassinos da Shindo Renmei, que atacava os imigrantes que aceitavam e contavam sobre a derrota do Japão, também ocupa um espaço necessário no livro, que traça um painel histórico extremamente rico sobre a colônia japonesa.


Cinema Japonês na Liberdade vai muito além do registro de hábitos de uma colônia de imigrantes e seus descendentes, mas adentra no campo do estudo da própria cinematografia que aqui era exibida, com seus gêneros, estilos, propostas e características estéticas. Mas o principal mérito do livro é mesmo registrar, com depoimentos e consultas a fontes primárias, um período de grande riqueza cultural. Uma era que ficou para trás, mas que deixou marcas profundas na trajetória da colônia e da cultura japonesa no Brasil.



CINEMA JAPONÊS NA LIBERDADE

Autor: Alexandre Kishimoto

Prefácio: Jeffrey Lesser

Formato: 15,4 x 22,8 cm, com 304 páginas

Lançamento: Editora Estação Liberdade (2013)


SAIBA MAIS:

Confira os reviews de dois clássicos do cinema japonês:


 

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