A Colônia Japonesa e os Quadrinhos Brasileiros
- Ale Nagado
- 24 de mar.
- 5 min de leitura
Atualizado: 1 de abr.
Um breve registro sobre a importância dos descendentes de japoneses para a HQ nacional.

O Brasil abriga a maior colônia japonesa do mundo, com cerca de 2 milhões de nipo-descendentes, com ou sem miscigenação. É uma relação que começou em 1895, com a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre os dois países. Com esse acordo entre Brasil e Japão, em 1908 teve início a imigração japonesa no Brasil, trazendo mão-de-obra qualificada de uma nação milenar em dificuldades, para um país jovem e em expansão.
A instalação de muitos núcleos de imigrantes japoneses pelo país deixou marcas profundas na agricultura, com novas técnicas e até novos hortifrutis, trazidos diretamente do Japão. Integrados à sociedade brasileira, os descendentes dos primeiros imigrantes foram se espalhando nos mais diversos setores da vida do país. Já são várias gerações de descendentes, muitos tendo apenas o sobrenome como lembrança de sua ascendência.
Nas universidades, na política, nos esportes e nas artes, muitos nipo-brasileiros se tornaram figuras reconhecidas, trazendo os traços de disciplina e determinação característicos do povo japonês. No meio editorial das histórias em quadrinhos brasileiras não foi diferente, com diversos nikkeis (como são chamados, tanto os japoneses quando seus descendente).

Mesmo com as dificuldades inerentes ao meio, diversos descendentes de japoneses deixaram suas marcas na trajetória dos quadrinhos nacionais.
Na década de 1950, em uma época de efervescência dos quadrinhos no país, despontou o nome de Julio Shimamoto, com histórias de terror e algumas com temática samurai, sendo ele próprio um descendente de guerreiros japoneses. Até hoje, é considerado um dos principais nomes do gênero terror no país.
Na década de 1960, o jovem quadrinista e editor Minami Keizi, à frente da pequena EDREL - Editora de Livros e Revistas, deu início ao mangá brasileiro, diretamente da capital paulista. Em uma época em que o público sequer sabia o que era mangá, Minami orientou os artistas da editora, como Crispim, Luis Sátiro, Fabiano Júlio Dias e Toninho Lima, a produzirem o Álbum Encantado (1966), primeira publicação com desenhos em estilo japonês no Brasil. Isso enquanto ele lançava seu personagem Tupãzinho, o Guri Atômico (1966), inspirado no clássico Astro Boy de Osamu Tezuka.

Na EDREL, famosa por uma vasta produção cheia de experimentalismos, brilharam outros descendentes de japoneses, como Cláudio Seto, Paulo Fukue e Fernando Ikoma, que formaram os pilares criativos da editora, que ainda trazia os talentos de Lincoln Ishida e Wilson Hisamoto.
Além de Minami Keizi, Cláudio Seto foi outro pioneiro do mangá no Brasil, com trabalhos como Ninja - O Samurai Mágico. Mesmo Paulo Fukue, de estilo de desenho mais ocidental, flertou com a narrativa cinematográfica dos quadrinhos japoneses, criando grandes trabalhos. Sem lidarem com mangá, mas com trabalhos de alto nível, Paulo Hamasaki e Roberto Fukue (irmão de Paulo) conquistaram também respeito e admiração entre seus pares. Em comum, todos eles viveram a realidade de serem filhos de imigrantes, com muitas histórias em comum sobre a vida na lavoura ou em comunidades que preservavam costumes japoneses.
Sempre lutando contra a concorrência desigual dos quadrinhos estrangeiros traduzidos para o português, o mercado de quadrinhos nacionais passou por muitos momentos difíceis, nunca conseguindo se impor como força editorial. Com exceção do bem-sucedido projeto da Turma da Mônica de Mauricio de Sousa, os quadrinhos nacionais poucas vezes formaram um mercado de trabalho para autores viverem de sua produção, o que é bem diferente de apenas publicar por amor à arte. O estúdio Mauricio de Sousa Produções sempre acolheu diversos artistas nikkeis, como o já citado Paulo Hamasaki em início de carreira, bem como demais estúdios voltados à produção de quadrinhos.
E nesse cenário repleto de autores dedicados a tentar abrir caminho, ao longo dos anos foram despontando autores como Neide Harue, Roberto Kussumoto, Erica Awano, Denise Akemi, Hiro Kawahara, Talessak e vários outros nipo-descendentes, mas nem todos com influências de mangá. São dezenas de profissionais de HQ que produziram material relevante dentro do mercado editorial brasileiro.

Para preservar seus legados e fazer um importante registro histórico da HQ nacional, o consórcio da Editora Criativo e o selo GRRR! do chargista Marcio Baraldi, publicam uma coleção chamada Libro Vitae - Biografia Ilustrada, na qual cada volume conta a história de um grande nome dos quadrinhos nacionais. Entre os títulos, vários são dedicados a nipo-descendentes. Os livros tratam sobre a chegada das famílias de cada autor ao Brasil, contando sobre a realidade dos imigrantes japoneses e as dificuldades pelas quais passaram, como a vida na lavoura e o período de restrições e perseguição durante a Segunda Guerra Mundial.
No caso dos citados pioneiros, suas biografias evidenciam a mistura de valores japoneses com o modo de vida ocidental, ajudando a entender como foi o processo de integração à sociedade brasileira de muitos filhos de imigrantes. A Criativo/GRRR! também tem republicado diversos trabalhos clássicos da HQ nacional, incluindo material de Shimamoto, Fukue, Ikoma, Hamasaki e outros autores.
Desde o complicado início em 1908 até os dias atuais, a presença dos nipo-brasileiros na cultura nacional só tem aumentado, e nos quadrinhos essa presença começou na década de 1950, atravessando diferentes fases do mercado editorial. A presença nipo-brasileira na HQ nacional é uma história em constante expansão e, por isso mesmo, sempre é bom olhar para a perspectiva histórica, valorizando seus pioneiros.

SAIBA MAIS:
Biografias de nikkeis da HQ nacional:
Série Biografia Ilustrada - Criativo/GRRR!
Julio Shimamoto - O Samurai do Traço (por Dario Chaves)
Minami Keizi - As Origens do Mangá no Brasil (autobiografia)
Paulo Fukue - O Engenheiro de Papel (por Alexandre Nagado)
Paulo Hamasaki - O Filósofo do Nanquim (por Mauro Massolini)
Fausto Kataoka - O Mestre da Produção Gráfica (por Tony Fernandes)
MeMo - A revista da memória gráfica - Criativo/GRRR!
MeMo - Ed. 09: Cláudio Seto - O Samurai dos Quadrinhos (por Toni Rodrigues)
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