A I.A. como ferramenta para preservar a memória da dublagem
- Ale Nagado
- há 11 horas
- 4 min de leitura
Como a Inteligência Artificial pode se tornar uma aliada dos fãs de dublagens clássicas.

Os debates sobre a Inteligência Artificial na arte continuam causando polêmicas e o Japão tem sido o país com o olhar mais atento aos efeitos no mercado de trabalho para artistas e criadores.
Recentemente, o Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI - Ministry of Economy, Trade and Industry) do Japão aprovou uma lei que torna crime o uso não-autorizado de IA para emular vozes de atores, locutores ou cantores, seja para mensagens ou músicas. Inserido na Lei de Proteção Contra a Concorrência Desleal, é mais uma medida local que visa proteger direitos autorais no Japão, conforme a IA avança sobre todos os setores da sociedade, incluindo os ofícios ligados à arte. [Nota: Leia a notícia aqui.]
O Brasil já começou a sentir os efeitos do avanço da IA generativa sobre o trabalho de locução (especialmente publicitária) e dublagem, preocupando profissionais e fãs do trabalho dos artistas vocais. Porém, a IA também pode se tornar uma importante aliada no trabalho de preservação da memória da dublagem brasileira, e assim prestar um grande serviço aos fãs.
Entre colecionadores no Brasil, séries antigas com dublagens clássicas são itens bastante procurados e disputados. Muitas séries e filmes foram redublados não somente por questões de direitos conexos a serem pagos aos dubladores originais (ou seus representantes legais, no caso dos falecidos), mas pela deterioração ou destruição das mídias físicas. Acontece que as mídias mais antigas eram gravadas em fitas magnéticas, que vão se deteriorando naturalmente com o tempo. Para piorar, uma antiga prática em emissoras de TV era vender fitas cujos direitos haviam expirado para fábricas de vassoura, que aproveitavam o material das fitas como matéria-prima. Isso destruiu grande parte da memória televisiva no Brasil, bem como incêndios que atingiram depósitos. Então, muitos filmes e episódios de séries com sua dublagem clássica somente existem ainda na forma de fitas VHS gravadas diretamente da TV por colecionadores nos anos 1980 e 90, principalmente. Os que não conseguiram passar as gravações para DVD ou arquivos digitais, enfrentam a natural deterioração do VHS. E é aí que a Inteligência Artificial pode entrar, em uma aplicação usada com grande êxito no campo da música.

Em 2023, Paul McCartney e Ringo Starr, os Beatles remanescentes, lançaram o que foi chamada de "última canção" da banda. Uma antiga fita cassete gravada por John Lennon na década de 70 contendo um esboço de canção foi resgatado. Em 1995, Paul, Ringo e George Harrison (que faleceria em 2001) tentaram gravar instrumentos sobre a fita de John, que trazia apenas voz e piano. Havia muito chiado naquela fita e o piano estava fora de tom. Depois de algumas tentativas de reduzir os chiados, deixaram a ideia de lado.
Somente em 2023 os técnicos de estúdio conseguiram isolar completamente a voz de John de todo o resto. Isso foi conseguido com uma IA, que fora treinada para reconhecer cada nuance da voz do cantor, eliminando todo o resto e gerando assim um arquivo de áudio com a voz limpa, como se tivesse sido gravada com equipamentos modernos. Com isso, foi possível aproveitar as gravações de 95 e adicionar mais camadas em 2023, gerando assim o single "Now and Then".
Aplicando a mesma tecnologia, é possível limpar completamente o áudio de dublagens registradas em fitas VHS, em rolos de filme ou mesmo em fitas cassete. É um processo que pode ser demorado e trabalhoso, mas tecnicamente é possível assim resgatar, com áudio limpo e qualidade digital, dublagens feitas há mais de meio século. Essa mesma tecnologia tem permitido a muitos youtubers brincar com músicas e criar remixagens de canções antigas, pois a IA permite a perfeita separação de vozes de instrumentos em canais de áudio próprios.
Redublar produções é certamente mais um campo de trabalho para os artistas, mas a preservação de obras clássicas é um registro histórico mais do que necessário em qualquer ramo da atividade humana, ainda mais no campo artístico. Uma redublagem também pode atualizar a linguagem utilizada, pois gírias, expressões e palavras em geral caem em desuso com o passar do tempo, mas a preservação de dublagens clássicas pode oferecer uma opção essencial para fãs nostálgicos. Empresas e distribuidoras, além de colecionadores e artistas, poderiam considerar o uso de Inteligência Artificial em prol da memória da dublagem no Brasil.
Não se trata de reproduzir, emular, gerar ou "corrigir" dublagens antigas, mas sim limpar digitalmente o áudio de gravações antigas, eliminando chiados, sons estranhos e deformações no áudio decorrentes da deterioração física. A IA consegue fazer isso com precisão e o processo deixa o material perfeito para exibição com áudio de alta definição.
Ainda não se sabe de qualquer ação nesse sentido (e talvez o Sushi POP seja o primeiro veículo a tratar dessa abordagem), mas utilizar a IA para limpar o áudio de dublagens antigas e permitir que novas gerações a descubram seria um passo importante para a valorização histórica de uma atividade fundamental para a cultura pop consumida no Brasil.
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