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Criticar ou silenciar?

A importância e o direito de criticar uma obra de entretenimento em tempos de pensamento hegemônico.

Recentemente, em um canal no Telegram, achei um texto criticando uma série americana recente, a The Last of Us (2023); a qual não acompanho, apenas me deparei com a postagem e li por curiosidade. Um dos comentários de leitor dizia o seguinte para rebater a crítica: "Faz uma série melhor, então!"


Quer dizer que, se a pessoa não é alguém da indústria da TV, se não tem um produtora com verba suficiente, e se não está em posição de "fazer uma série melhor", não tem o direito de criticar? Isso me lembrou a reação dos seguidores de políticos que, ao se depararem com uma crítica ao seu ídolo em cargo eletivo, já chegam dizendo "Não gosta do governo? Se candidata, vence a próxima eleição e mostra como se faz, colega". Então, não se pode mais criticar ninguém? É para essa condição que caminha o pensamento do cidadão comum?


Um tempo atrás, escrevi o artigo intitulado "O Direito de Não Gostar", por ocasião dos debates acalorados em torno da série Kamen Rider BLACK SUN (2022), e farei agora um complemento ao mesmo. Afinal, para muita gente, você pode até não gostar de uma obra, desde que você fique calado.


Já vi pessoas, inclusive, abordarem esse tema e lembrarem do caso do dublador Guilherme Briggs, que disse que "sua família foi ameaçada" por que certos fãs não gostaram da tradução de um texto dito por seu personagem na série Chainsaw Man (2022).


Com base nesse caso, a conclusão a que vi alguns chegarem é que, se você não gostou de uma série, tudo bem, mas vá procurar outra coisa para assistir ao invés de criticar. Afinal, defendem alguns, uma crítica a um trabalho pode "prejudicar uma família". Então, não pode criticar mais nada, só consumir e apoiar? Um caso extremo (e, sinceramente, estúpido) é a desculpa para vitimizar todo aquele que é criticado por um trabalho que desagradou alguém?

Não pode criticaaaaaaaaarrrrrr!!!!!!

Outra coisa comum nas discussões (reais e virtuais), é aparecer muita gente dizendo que cada um tem sua opinião, e que "todas são válidas". Impossível concordar com isso.


Acredito firmemente que não se pode relativizar e nivelar opiniões, como se tudo fosse igualmente relevante. Para o cidadão médio e sem muita informação, aquele que é influenciado pelo "senso comum" e pela mídia, toda opinião é equivalente, o que é um erro grosseiro de julgamento. Seja uma opinião embasada em informações e reflexões, seja uma opinião baseada em emoções, é claro que existem pesos e níveis diferentes. Sem um senso de proporções, não se avança uma discussão inteligente sobre coisa alguma e tudo cai no relativismo.


Logicamente, é impossível nivelar a opinião de uma criança de 10 anos com a de um adulto sobre uma questão que exige capacidade de análise, conhecimento e experiência de vida. Uma análise baseada em emoção é apenas isso: uma sensação dissociada de reflexão, algo que pode igualar uma criança e um adulto. É "amei" ou "odiei" incondicionalmente, sem nuances e sem reflexões mais aprofundadas.


Então, além do problema já apontado aqui, de críticas a uma obra serem reprimidas por alguns com adjetivos desonestos (como taxar alguém de "racista", "fascista" ou "machista", com base em sofisma); há também esse outro problema, que na verdade o precede.


O clamor por controle de opinião em todas as esferas da vida chega ao ponto dos programas de Inteligência Artificial exibirem um pensamento woke/progressista como algo lógico e científico, pelo simples fato de que foram programados e receberam dados controlados por pessoas woke/progressistas. O desejo de controle sobre a opinião alheia existe em todo lado, e é reforçado por pessoas comuns, que desejam exibir "virtudes" ou se sentir parte de algo maior.


Muitos fãs defendem que você não deve jamais criticar uma obra. Ou você elogia, ou se cala. Seja por não conseguir "fazer melhor", seja porque muitos fãs têm aquela mentalidade limitada de achar que é obrigação dele sempre apoiar seu artista ou objeto de adoração. Apoiar incondicionalmente tudo para "provar seu amor", para "incentivar", "fortalecer o movimento" ou seja lá o que for.


Acontece que, se eu pago um streaming, se compro produtos (oficiais, claro) que dão lucro a criadores e produtores, se pago um ingresso, compro um livro, quadrinho ou que for, eu sou um consumidor. E, como tal, tenho o direito de externar minhas percepções, o que inclui demonstrar insatisfação e até irritação. E mesmo que eu não seja um consumidor de produtos oficiais, não é o fator financeiro que vai validar ou não uma crítica baseada em dados e informações objetivas amparadas por uma visão de mundo pessoal consolidada.

"Li e achei ruim, será que devo falar ou isso pode prejudicar alguém?"

A crítica tem um papel fundamental para a indústria cultural. Ela pode apontar erros, ajudar produtores e criadores a saberem se estão indo por um bom caminho ou não. Mas isso só acontece com crítica feita com argumentos, mostrando diferentes visões de mundo, e não apenas movida a emoções extremas.


Opinião embasada e opinião emocionada não são equivalentes, e nem devem ser levadas igualmente em consideração. Também não acho que seja preciso um título acadêmico para conseguir fazer uma boa crítica, desde que seja elaborada com base em reflexões e dados concretos. E nenhuma crítica tem a obrigação de ser imparcial. Pode ser equilibrada e ponderada, o que não significa ser relativista. Pode-se achar uma obra ruim no geral, mas ressaltar pontos positivos, bem como avaliar bem uma obra, apesar de apontar problemas. É preciso enxergar nuances e tonalidades, não apenas ver tudo em preto-e-branco. Isso vale pra muitas situações na vida.


No estágio atual da sociedade, sempre em busca de "consenso" que vira pensamento único e obrigatório (sobre vários assuntos), já é proibido questionar ou criticar uma série de situações, medidas e pessoas de altas esferas do poder. Qualquer opinião que saia fora da caixinha do "senso comum permitido" já é taxada de extremista ou "anti-alguma coisa". Calar e cancelar vozes dissonantes se tornou prioridade em vários campos da atividade humana.

Na área do mero entretenimento, também existe um movimento de fãs para que não se critique o que a indústria cultural oferece. Deve-se apenas consumir e procurar algo para amar. Se alguém não gosta de algo que assistiu, muitos dizem para procurar outra coisa para ver, mas jamais criticar com força uma obra ou seus produtores, e somente pode ver o lado bom. Os que fazem isso, ou são rotulados pelos fãs das piores coisas possíveis (e assim, são cancelados) ou são convidados a se calar.


É óbvio que uma crítica não pode partir para xingamentos e ataques pessoais gratuitos mas, dentro de parâmetros razoáveis, pode-se tratar qualquer obra como uma grande porcaria e demonstrar sim uma irritação e indignação, desde que se aponte como se chegou a tal conclusão. É preciso praticar o debate, o que só acontece quando há uma boa equivalência de conhecimentos e bagagem cultural entre partes antagônicas sobre uma questão. Só falar com educação não mantém o nível alto, visto que se pode dizer grandes bobagens e agressões ditatoriais com palavras suaves.


Exercer o direito de criticar é tão importante quanto ter sua opinião respeitada, sem ataques pessoais ou o uso de sofisma para se distorcer ou desmerecer as opiniões contrárias. Alguma crítica o incomoda? Rebata com argumentos ou ignore o que não lhe diz coisa alguma, mas jamais parta para o ataque ad hominem (à pessoa).


Caminhamos para uma repressão cada vez maior do pensamento e da opinião em todas as esferas da vida, sem nuances, sem o contraditório, sem nada que ameace um suposto conforto que o consenso traz. E muitos fãs, no desejo de defender seu objeto de amor, apenas atrapalham quem luta para manifestar seu entendimento e opinião, até mesmo sobre coisas banais e desimportantes como filmes ou séries de TV.



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