Fanboys, colecionadores e criadores de conteúdo
- Ale Nagado
- há 13 horas
- 5 min de leitura
Atualizado: há 12 minutos
Algumas considerações e opiniões sobre a mídia especializada em cultura pop.

Fanboy, que é um termo depreciativo para o fanático por qualquer tipo de entretenimento, define um tipo de pessoa comum e com a qual eu tenho dificuldade em me conectar. Hoje quase todo mundo parece fanboy de alguma coisa, ou várias. De cultura pop a política, o que é pior ainda.
Os nichos e franquias de cultura pop são vários, e todos possuem numerosos fanboys, seja consumindo ou criando conteúdo. Entre aqueles que politizam até unha encravada e os que consomem e amam cegamente tudo, está raro encontrar gente que encara cultura pop de maneira sadia. Tudo está intenso demais, inclusive colocar personagens em pedestais de idolatria. O fanboy se obriga a amar incondicionalmente e ser um consumidor de tudo relacionado a um tema, sem restrições.
Essa coisa de ter que ver tudo de um gênero, ou tudo de uma franquia (e apoiar sempre), para "provar que é fã de verdade", eu acho uma bobagem sem tamanho. Divulgar e ter que gostar de tudo de uma franquia ou gênero para "fortalecer a causa" eu acho igualmente desnecessário. Amor por personagens não pode virar seita, mas é assim que muitos agem. Adoro a franquia Ultraman, mas várias produções não me agradam ou não me descem. Idem para cada obra, autor ou franquia que eu gosto ou já acompanhei. Tem coisas que gosto e outras que não gosto, e eu jamais compraria um item colecionável de uma série que achasse horrorosa, só para aumentar a coleção, como se a vida fosse uma competição para mostrar quem tem mais itens. E é aí que algumas coisas se confundem na cabeça de muita gente.
Consumir muito algum produto cultural não faz de ninguém um especialista, ou profundo conhecedor de algo, mas somente um consumidor ávido, ou um fã dedicado, ou ainda um colecionador. Seria como dizer que um comilão enorme, pelo fato de comer muito, tem o conhecimento de um nutricionista ou de um grande chef de cozinha. Consumir algo e pesquisar sobre são coisas diferentes. Simplesmente colecionar itens não faz de ninguém um pesquisador, historiador, crítico ou um profundo conhecedor de algo. Vídeos focados em colecionismo podem ser muito legais ao contar a história das peças e das obras que as inspiraram, mas não é disso que estou falando, é de criação de conteúdo em geral.
Da mesma forma, a mim cansou a briga dos nerdolas vs lacradores, mas me dá ainda mais desânimo ver quem diz que lacração e cultura woke não existem. O último tipo ou é muito ingênuo, sem cultura ou é mal intencionado. Mas a hipótese da ausência de bagagem cultural é uma realidade.
O mangá Virgem Depois dos 30 tem uma passagem interessante que menciona a primeira geração otaku, dos anos 80. Diz que antigamente, o otaku era um cara culto, que se interessava por vários assuntos (Ciência, História, Literatura, Filosofia...) e assim embasava sua paixão por itens de cultura pop. Hoje, basicamente o otaku/nerd/geek só conhece de verdade o universo de entretenimento que venera, com uma cultura geral bastante limitada. Vive eternamente preso ao hype do momento e às memórias de infância, como se o mundo tivesse começado quando ele nasceu. O que veio antes não importa, obra pioneira é a que ele viu primeiro. Esse tipo de postura me impede de dar credibilidade a muita gente.

Dentre tantos criadores de conteúdo que dizem ter sido inspirados e influenciados pela revista HERÓI, poucos realmente demonstram uma sintonia com o que nos movia.
Não é sobre quem tem mais bonequinhos ou mais gibis, é sobre o gosto pela boa informação, pela opinião embasada e autêntica, e não a opinião anódina, buscando senso comum e aprovação do maior número de pessoas. É se interessar por bastidores, contexto histórico, saber de onde vêm as ideias que nortearam uma narrativa, sob quais circunstâncias uma obra foi criada. Mas, hoje em dia, tudo virou sensacionalismo, gritaria, emoção exacerbada e uma busca por reviver emoções de infância. Ou mistura tudo isso com militância política, o que só piora. E isso tanto do lado de quem consome, quanto de quem cria conteúdo, em sua maioria.
Deixar de ter espírito crítico e curiosidade intelectual para somente apreciar cenas de ação, visuais e colecionar brinquedos é o que se esperaria de uma criança, não de um adulto. Eu gosto muito de miniaturas e bonequinhos, tenho boas peças comigo (a maioria presenteada por amigos), mas tenho em mente que isso não tem relação com aquisição de conhecimento.
Criadores de conteúdo que são também colecionadores de brinquedos, como Teily Fabio (Coleção em Ação Show) e Usys222 (Casa do Boneco Mecânico), dão sempre um show de curiosidades e informações sobre bastidores, mostrando que o interesse cultural vai muito além do colecionismo. Isso porque eles gastam horas pesquisando sites, revistas e livros.
Digno de admiração é o criador de conteúdo que pega um assunto, um nicho, e pesquisa suas origens, obras pioneiras, descobre nomes de criadores e artistas e vai além. Que estabelece relações entre diferentes produções, percebe referências, busca saber quais as ideias dos criadores e tenta estabelecer uma visão abrangente sobre um assunto. Isso não se adquire comprando bonecos.
Enfim, só um desabafo de alguém que, apesar da amizade com várias pessoas, não sente conexão com a maioria que está na área atualmente. Pode ser coisa de velho, e lá vou eu falar dos velhos tempos, mais uma vez.
O que fez a revista HERÓI tão única, é que a gente não apenas gostava de cultura pop, mas tinha espírito crítico, opiniões políticas (sem ficar militando nas matérias), vários tinham outros interesses culturais, buscávamos informações de bastidores e sabíamos dar valor à cultura.
A gente podia até viver mergulhado em pilhas de gibis, fitas VHS, livros, CDs e afins, mas nenhum de nós via aquilo como algo que nos definia como pessoas e nem agíamos como fanboys. Cultura pop é entretenimento, por mais que traga valores, elementos sérios e temas interessantes. Para nós, era acima de tudo uma diversão, e que também havia se tornado um trabalho a ser encarado com dedicação e profissionalismo. Por isso a revista é lembrada até hoje.
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