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Hagakure - O Livro do Samurai

Ensinamentos e reflexões de um guerreiro do Japão antigo.

Símbolo de coragem, destreza e determinação, o guerreiro samurai é uma das imagens mais fortes associadas ao Japão antigo. Desde o sucesso mundial do clássico Os Sete Samurais (de 1954), do diretor Akira Kurosawa (1910~1998), até ícones pop modernos como Samurai X, Vagabond, Samurai Jack e tantos outros, o conceito do guerreiro corajoso, determinado, honrado e armado com uma espada, sempre inspirou inúmeras narrativas. Dominando o Japão entre 1185 e 1868, a casta guerreira dos samurais vivia, matava e morria para defender a segurança e a honra de seus mestres e senhores feudais. No entanto, a compreensão do espírito desses espadachins sempre foi uma incógnita e motivo das mais equivocadas interpretações. Para dar uma visão geral sobre como era o ponto de vista de um bom representante dessa casta guerreira, a Conrad Editora lançou o livro Hagakure – O Livro do Samurai. O título é apresentado ao público como sendo um “manual de sobrevivência que pode ser interpretado à luz dos desafios empresariais do mundo moderno”. A frase tem sua razão de ser, pois boa parte do livro ensina posturas perante dificuldades e trata de perseverança, dando vários exemplos. Mas pode causar arrepios em algumas pessoas imaginar alguém dizendo que o Hagakure (leia como “ragácure”) é seu modelo absoluto de valores, pois a conduta do típico samurai era tanto inflexível e objetiva quanto impiedosa em vários casos. Ainda mais na forma idealizada como foi retratado por muitos autores, como se fossem heróis de um tempo antigo.

Lobo Solitário (1970), o maior clássico dos mangás com a temática samurai.

Para ilustrar essa percepção, pode-se recorrer ao mangá Lobo Solitário (lançado em 1970), sangrenta história de vingança criada por Kazuo Koike (1936~2019) e Goseki Kojima (1928~2000). Conta a história de um outrora executor oficial do Shogun, categoria de ditador militar que chefiou o Estado Japonês entre 1185 e 1868. Logo em sua primeira aparição, o personagem central Itto Ogami corta a cabeça de um membro de um clã destruído por conspirar contra o governo. Depois, calmamente se dirige para decapitar uma criança desse clã, dirigindo-lhe palavras tranquilizadoras antes de matá-la com um único golpe. Esse tipo de situação não foi vivenciada pelo autor de Hagakure, que conheceu tempos mais pacíficos.


O autor de Hagakure, Tsunetomo Yamamoto (1659~1719), ditou suas memórias e reflexões a um jovem samurai chamado Tashiro Tsuramoto. Após a morte de seu mestre e tendo sido proibido de cometer suicídio ritual para acompanhá-lo no além, Tsunetomo (este era seu primeiro nome) se aposentou e se tornou monge no ano de 1700.


Para homenagear seu mestre, ele passou adiante seus ensinamentos, histórias e ideais a Tashiro e o resultado foi o Hagakure, cujo título pode ser traduzido por “oculto pelas folhas” ou “folhas escondidas”. Vale dizer que muito da filosofia conhecida hoje dos samurais vem de escritos feitos em tempos de paz, quando outrora guerreiros se dedicavam à pintura, caligrafia e poesia. Daí a idealização algumas vezes romantizada que marca a imagem dos samurais, que é o caso de Tsunetomo, que não vivenciou tempos de guerra. Nos tempos de auge da casta guerreira, um cidadão comum e desarmado encarar um samurai nos olhos com raiva ou desprezo poderia significar execução sumária em público, o que nada tem a ver com honra ou lealdade.


O livro ficou esquecido por séculos, e só foi publicado em 1979, pela Editora Kodansha.

Os Sete Samurais (1954), filme de Akira Kurosawa, ajudou a moldar a imagem dos samurais no ocidente.

A edição brasileira, adaptada do inglês, é uma seleção de trechos interessantes compilados pelo tradutor William Scott Wilson, especializado em literatura japonesa e bushidô, o código de valores éticos e morais da casta dos samurais.


O texto original possui mais de 13.000 tópicos, reduzidos aqui para cerca de 300. Hagakure está dividido em capítulos como o original, pulando o quinto capítulo (de um total de 11, mais um texto de encerramento) por este tratar de datas e fatos de pouca relevância ao público em geral. Ainda, um glossário explica nomes, lugares e termos referidos na obra. O livro tem um pouco de tudo o que se relacionava à vida dos samurais, com muitas histórias interessantes. Algumas passagens mostram até onde ia a submissão de um samurai (sempre disposto a morrer pelo mestre) e outras ainda trazem uma simplicidade e sapiência desconcertantes e atuais. Há também comentários que podem atrair a fúria de progressistas (afinal, foi escrito no Japão de séculos atrás), como um trecho que diz que “A mulher que for criada de maneira rígida e experimentar o sofrimento em seu próprio lar, não terá aborrecimentos quando se casar.” Lembrar do contexto do local e época é fundamental para absorver o que de melhor o livro tem a oferecer. Diversos trechos relatam detalhes da vida cotidiana, aspectos sombrios do treinamento de um samurai (como saber decapitar bem aos 15 anos) e fatos acontecidos com Yamamoto, com pessoas próximas ou que viveram em tempos anteriores e cujas vidas ele tomou conhecimento.

O resultado é um amplo painel histórico e social sobre o mundo em que ele viveu, com passagens sobre o desapego à vida que deveria ter um bom samurai, capaz de matar o próprio pai ou filho com tranquilidade e coração sereno por questões de honra ou obediência a seu senhor. Os ensinamentos do velho samurai também envolvem muito respeito, compaixão, solidariedade e gentileza com o próximo, daí seu apelo a tantos entusiastas de autoajuda por seus textos. A filosofia samurai, desenvolvida com o Bushidô, é bastante profunda e não deve ser analisada pinçando trechos aleatórios. Todos esses elementos citados - alguns contraditórios - se misturam em Hagakure, mas é exatamente isso o que torna a obra uma leitura singular. Após a compreensão do contexto no prefácio e introdução, ela pode até ser lida de modo aleatório, abrindo-se em qualquer trecho, como num livro de citações ou pequenas crônicas. Rotular de "livro de auto-ajuda" é um reducionismo grosseiro, mas é assim que alguns coaches usam a imagem romanceada do samurai como símbolo de lealdade e determinação em palestras motivacionais. Item obrigatório para interessados em cultura japonesa ou para fãs dos personagens citados no começo deste texto, Hagakure é uma preciosa incursão no honrado, violento e pouco conhecido mundo dos samurais.

Trechos do livro: Havia um homem que era muito esperto, mas ele sempre enxergou apenas os pontos negativos de suas tarefas. Dessa maneira, tornou-se uma pessoa inútil.” (pág. 45) A caligrafia adequada é resultado de muita atenção e prática mas, presa a isso, a escrita não fluirá e terá um ritmo arrastado. Você deve ir além e fugir da norma. Esse princípio se aplica a todas as coisas.” (pág. 59) Seja fiel ao pensamento do momento e evite distrações. Em vez de se esforçar para dar conta de tudo, concentre-se apenas no que está fazendo. Procure privilegiar um pensamento de cada vez.” (pág. 92) HAGAKURE – O Livro do Samurai Autor: Tsunetomo Yamamoto Organização: William Scott Wilson Tradução para o inglês: William Scott Wilson Tradução para o português: Sérgio Codespoti Formato: 11,5 x 18 cm, com 238 páginas Lançamento: Conrad Editora (2004)

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