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Ale Nagado

Kazuo Koike, o escritor do Lobo Solitário

Conheça a carreira do roteirista de Lobo Solitário, Lady Snowblood, Crying Freeman e outros clássicos.

Kazuo Koike: Um dos maiores roteiristas japoneses de todos os tempos.

No mercado dos quadrinhos japoneses, os grandes nomes geralmente são artistas que escrevem e desenham suas criações. Para atender à demanda por produção em escala industrial, usam assistentes para cumprir diferentes etapas do trabalho, como acabamento, cenários, letreiramento dos balões e efeitos gráficos. É um modo de produção diferente do que existe nos EUA, onde é mais comum a divisão de cada etapa, com artistas especialistas para roteiro, desenho à lápis, arte-final, letras e cores.

Pontuadas essas diferenças, vale dizer que, assim como há grandes autores que escrevem e desenham nos EUA, no Japão também há tantos outros artistas renomados que se especializaram em desenhar ou escrever. Entre autores desse tipo, um dos maiores roteiristas que já surgiu no Japão atende pelo nome de Kazuo Koike, nome artístico de Seishuu Tawaraiya.

Nascido em 8 de maio de 1936, em início de carreira trabalhou com auxiliar no estúdio de Takao Saito, do mangá Golgo 13, com quem muito aprendeu.


LOBO SOLITÁRIO: A OBRA MÁXIMA DE UM GÊNIO


Sua maior obra foi produzida com o desenhista Goseki Kojima, quando ambos criaram o clássico Lobo Solitário, em 1970, que chegou ao Brasil pela editora Cedibra em 1987, tendo sido o primeiro mangá publicado oficialmente em nosso país. Teve passagem pela editora Nova Sampa e somente foi publicado de maneira completa, em 28 volumes, pela editora Panini Comics. A saga conta a sangrenta trilha de vingança de Itto Ogami, outrora o executor oficial do shogun - o governante militar do Japão feudal - contra o clã Yagyu, que tramou contra sua família. Itto leva consigo seu filho ainda bebê, Daigoro, um inocente que testemunha inúmeras mortes violentas.


Com esse personagem, entrou na área de roteiros para cinema, escrevendo a adaptação de sua criação, que estreou nas telas em 1972. Muitos outros filmes vieram e Koike acabou roteirizando criações de outros autores também.

Lobo Solitário: A obra máxima de Kazuo Koike, parceria com o igualmente genial Goseki Kojima.

Seu final trágico e em aberto marcou o fim de uma obra-prima reverenciada por gerações. Uma continuação sempre foi sonhada por muitos fãs e especulações foram criadas ao longo dos anos, tanto pelo final do mangá quanto de suas adaptações. Mas em 2000, o desenhista Goseki Kojima faleceu, deixando atordoado seu amigo e parceiro criativo de tantos anos. Com isso, foram enterradas quaisquer possibilidades de uma continuação, pois Koike jamais imaginou contar tal história sem os traços de Kojima. Mas a situação ainda sofreria uma reviravolta inesperada.


Segundo o próprio escritor relatou, a Copa do Mundo de Futebol 2002 teve impacto na continuação de Lobo Solitário. Deprimido, Kazuo Koike estava desmotivado para criar novas histórias. Foi quando o exótico corte de cabelo usado pelo jogador brasileiro Ronaldo na final da Copa, chamou a atenção do público japonês. Enquanto no Brasil se comentava que o corte do Ronaldo lembrava (vagamente) o cabelo do Cascão, personagem de Mauricio de Sousa, para o público japonês, a comparação era bem mais precisa: parecia o cabelo de Daigoro, o filho do Lobo Solitário. Foi quando a questão sobre o destino final de Daigoro veio à tona, com muitas pessoas comentando e falando com o autor. Isso acabou acendendo uma fagulha em Koike, que logo se pôs a pensar.

Novo Lobo Solitário, com Hideki Mori.

Em 2004, depois de muito planejamento, estreava o Shin Kozure Ookami, ou o Novo Lobo Solitário, nas páginas da revista Weekly Post, da editora Shogakukan. A Post não é uma revista específica de mangá, sendo uma publicação para adultos com reportagens, entrevistas e ensaios sensuais com a nudez de modelos e atrizes. Em meio a esse mix editorial, aparecem séries de mangá voltadas ao público adulto.


Para a tarefa de substituir Goseki Kojima na arte, foi escolhido o desenhista Hideki Mori, um fã da obra original, que teve o cuidado de seguir da forma mais respeitosa possível os traços de Kojima. Não se trata de cópia ou simples emulação, mas sim do trabalho de um profundo conhecedor da obra original, preocupado em manter a mesma atmosfera. Mesmo com as diferenças de estilo, há partes que parecem ter sido supervisionadas por Kojima, tamanha a reverência com que as páginas foram produzidas. A saga rendeu 11 volumes, publicados no Brasil pela Panini.


A parceria entre Koike e Hideki Mori deu tão certo que ambos lançaram em 2007 o mangá Soshite Kozure Ookami - Shikaku no Ko, ou Finalmente,Lobo Solitário - O Filho do Assassino, que renderia cinco volumes e concluiria em definitivo a saga de Daigoro. A série foi publicada na revista Jidaigeki Manga JIN, da editora Koike Shoin, especializada em histórias de época.


OUTRAS OBRAS


Um outro trabalho célebre de Koike, desta vez em parceria com o desenhista Kazuo Kamimura, também foi lançado no Brasil. É Lady Snowblood (Shura Yukihime, 1973), uma violenta história com uma guerreira implacável, publicada no Brasil como Yuki - Vingança na Neve, através da editora Conrad, com seis volumes editados entre 2006 e 2007. O mangá foi adaptado em dois filmes (em 1973 e 74), lançados em DVD no Brasil como Lady Snowblood - Vingança na Neve. A obra influenciou o diretor Quentin Tarantino em sua obra Kill Bill. O sucesso levou à produção de três novas histórias em 2006, desta vez desenhadas por Ryoichi Ikegami. O material foi compilado na edição Lady Snowblood: Extra.

Crying Freeman: Uma das mais famosas obras de Kazuo Koike, em parceria com o desenhista Ryoichi Ikegami.

Ryoichi Ikegami é talvez o segundo maior colaborador de Koike, tendo produzido com ele a saga Crying Freeman (1986), que já foi publicada parcialmente (4 volumes) no Brasil nos anos 1990 pela editora Nova Sampa. Depois, entre 2006 e 2007, teve seus 10 volumes publicados na íntegra pela Panini Comics/ Planet Mangá. O enredo apresenta um assassino mafioso que chora a cada execução que cumpre e se apaixona por uma garota sensível e solitária, mesmo tendo de matá-la. A obra, de teor bem adulto e recheada de sexo e violência, teve uma versão em animê e duas em live-action, sendo uma delas assinada pelo francês Christophe Gans e estrelada por Mark Dacascos em 1996. As versões cinematográficas ou televisivas acabam sempre atenuando uma característica das obras de Koike: a combinação de sexo e violência. Em Freeman, era apenas certa poesia visual e a censura editorial japonesa que impediam representações de sexo explícito. Quem conheceu a obra pelo contido e elegante filme com Mark Dacascos deve ter levado um choque ao ver o mangá original. Sendo mais conhecido por seus mangás para leitores adultos (a maioria desconhecida no Brasil), Kazuo Koike também atuou em outras áreas e teve seu próprio herói de tokusatsu para o público infanto-juvenil. É Denjin Zavorger, que ele criou junto com Souji Ushio, também conhecido como Tomio Sagisu, criador de Spectreman e Lion Man, entre outros. O herói teve série em 1974 através da P-Production e ganhou remake cinematográfico em 2011. Curiosamente, nessa série Koike não escreveu nenhuma história específica, apenas teria criado a concepção geral do enredo, mas há quem diga que foi apenas um acordo comercial para que seu nome fosse usado. Mas antes de Zavorger, ele já havia trabalhado com tokusatsu.

Spectreman teve 2 episódios assinados por Koike.

Alguns anos antes, em Spectreman (1971), Koike roteirizou os episódios 5 e 6, que formam o arco "O exílio de Spectreman", no qual o herói é punido por se recusar a matar uma família que portava uma doença fatal e contagiosa criada em laboratório pelo vilão Dr. Gori e que poderia exterminar a humanidade. Quando o herói aceita a missão e está prestes a executar os humanos, é impedido pelos seus mestres, os Dominantes, que encontraram uma cura a tempo. Episódio pesado, bem ao gosto de Koike. Um estudioso da arte da narrativa, Koike criou a Gekigá Sonjuku, um curso de mangá no qual ele enfatizava a criação de personagens consistentes como a base para a produção de uma boa série. Entre seus alunos mais famosos estão Rumiko Takahashi (Inu-Yasha, Ranma 1/2) e Tetsuo Hara (Fist of The North Star). No início dos anos 1970, trabalhou em uma versão em mangá do Incrível Hulk, em uma das empreitadas da Marvel Comics em território japonês, que também contou com o Homem-Aranha de Ryoichi Ikegami. Koike voltaria a produzir um roteiro para a Marvel já na condição de grande astro em 2003, na revista X-Men Unlimited #50. Escritor versátil, também roteirizou mangás sobre golfe e mahjong, jogos que pratica como hobby. Para a TV e cinema, roteirizou filmes e dramas seriados, sendo ele o criador ou não. Koike se tornou um roteirista completo, capaz de transitar do drama histórico ao puro trash violento. Mas a maior prova de sua versatilidade são seus trabalhos como letrista de músicas.

Goggle V: Uma das produções que tiveram a participação de Kazuo Koike compondo as letras de músicas da série.

ESCREVENDO CANÇÕES


Ele escreveu as letras de canções que tocaram em diversas adaptações em live-action de Lobo Solitário. É dele também as letras de algumas canções dos robôs gigantes Mazinger Z e Great Mazinger, animês criados pelo mestre Go Nagai. Também escreveu a letra de "Shura no Haná" ("Flor da batalha"), tema do live-action de Lady Snowblood, que inclusive tocou no filme Kill Bill.


No tokusatsu, Koike escreveu as letras para os temas de abertura e encerramento das séries Super Sentai Denziman, Dynaman e Goggle V. Infelizmente, ele não produziu roteiro para nenhuma dessas séries.


Sempre antenado com o mercado, teceu altos elogios a Madoka Magica, o cultuado animê de Gen Urobuchi que levou sangue e terror ao normalmente colorido e pueril mundo das chamadas "garotas mágicas". Chegou inclusive a dizer que gostaria de escrever algo desse tipo, o que não seria surpresa, dada sua preferência por histórias viscerais e de impacto. Kazuo Koike faleceu em 19 de abril de 2019, aos 82 anos, por complicações decorrentes de uma pneumonia. Sendo um dos maiores autores de mangá de todos os tempos, Kazuo Koike deixou uma obra eterna, que merece ser redescoberta a cada geração.

Site oficial (em japonês): www.koikekazuo.jp


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