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Lobo Solitário

Um dos maiores clássicos do mangá é um mergulho no violento mundo dos samurais, através da saga de Itto Ogami e seu filho Daigoro.

Capa de uma das edições japonesas.

Em pleno Japão feudal, mais precisamente durante o governo do shogunato do clã Tokugawa (entre 1603 e 1868, também chamado de Período Edo), homens influentes conspiram uns contra os outros em busca de poder. Assassinatos e traições pipocam por todo lado e a vida humana pouco vale, num clima de constante guerra entre feudos. Aparentemente alheio a tudo isso, um homem empurra um carrinho com uma criança pequena dentro. Ele oferece seus serviços a quem lhe pagar e sua especialidade é matar com absoluta precisão. 


Outrora um temido executor oficial do Shogun, o valente Itto Ogami vaga pelo país empurrando o carrinho de bebê com seu filho pequeno. Como um ronin, um samurai sem mestre, ele oferece seus serviços, matando mediante pagamento, não importando quem seja. Vivendo quase como mendigo, poucos sabem que ele fora outrora um nobre a serviço do governo. 

Arte de Frank Miller e Lynn Varley para uma capa americana, publicada também no Brasil.

Caindo vítima de um complô que o incriminou perante o Governo e matou sua esposa, Ogami busca juntar recursos para consumar sua vingança contra Retsudô Yagyu. Espadachim de primeiro nível e estrategista hábil, Retsudô é o ganancioso líder do Clã Yagyu e responsável pela ruína do Clã Ogami. 


Assim é o cenário onde se desenrolam as tramas de Lobo Solitário (子連れ狼 ou "Kozure Ookami"), um dos maiores clássicos do mangá de todos os tempos, criado e escrito por Kazuo Koike (1936~2019) e ilustrado por Goseki Kojima (1928~2000). 


O protagonista da série é um anti-herói no melhor sentido do termo. Frio e calculista, ele também realiza, em muitas ocasiões, atos de justiça e misericórdia, especialmente com pessoas humildes que encontra pelo caminho. Espadachim lendário, carrega como arma preferida uma dootanuki (tipo de espada curta) e sempre cumpre suas missões como mercenário. Se o contrato aceito assim exigir, ele pode matar até mesmo pessoas boas e honradas, mesmo idosos ou mulheres de qualquer posição social. Até mesmo de uma criança ele corta a cabeça friamente, conforme é contado em um capítulo onde vemos como era sua rotina de executor oficial do governo. 


Com o gosto amargo das muitas vitórias de Ogami, resta um olhar sobre Daigoro. Inocente e alegre, acostumou-se a ver o pai tirando vidas e ao longo da série vai mostrando talento para as artes do combate. O menino também é usado muitas vezes como parte das estratégias de Ogami, que não se ressente de usar o filho em suas missões. 



O espadachim sabe que, se falhar e perecer, o destino do menino será trágico. Então, eles devem viver e, se preciso, morrer juntos. 


Não são poucas as vezes em que pessoas estranhas tentam separar os dois, oferecendo um futuro mais seguro para Daigoro. Um deles, apelidado Sakon - O Sem Cabeça, protagoniza um dos mais arrebatadores capítulos de toda a saga, que é repleta de textos fabulosos e narrativa visual cinematográfica. E a arte de Goseki Kojima, com traços rápidos, elegantes e caligráficos, possui grande plasticidade. Há quadros que são verdadeiras obras de arte e exemplos da simplicidade de traço em função da valorização da atmosfera e narrativa. 


No Japão, a publicação original aconteceu entre setembro de 1970 e abril de 1976, na revista semanal Manga Action, da editora Futabasha. A compilação vendeu mais de oito milhões de cópias na época. Com a popularidade, foi adaptado em filmes para cinema, séries de TV, continuações e até um video game para arcade, em 1987. Anos depois de sua primeira aparição, Kozure Ookami viraria um ícone cultural também do outro lado do mundo. 


Aterrissando no ocidente


A publicação nos EUA - e de lá para o mundo - foi graças à influência do quadrinista (e hoje também cineasta) Frank Miller. Depois de convencer a First Comics a lançar a obra nos EUA em 1987, Miller assinou o prefácio e também as capas das primeiras edições. Com as cores da esposa Lynn Varley sobre seu traço expressivo e dramático, Miller criou obras de arte em cada capa. Depois, foi sucedido por Bill Sienkiewics, Matt Wagner, Mike Ploog e Ray Lago


A edição americana, chamada Lone Wolf and Cub ("Lobo Solitário e Filhote") trazia um alinhamento de histórias um pouco diferente do original. Porém, a First Comics faliu em 1991, tendo publicado apenas 45 edições. Como cada edição americana publicava apenas dois capítulos por edição - contra 8 em média de uma compilação "tankô-bon" japonesa, ficou incompleta a saga.

A arte de Goseki Kojima, mestre do mangá.

Em 2000, a Dark Horse Comics licenciou o mangá, publicando desta vez de modo similar à edição japonesa, com 28 volumes. Em 2013, publicou a versão Omnibus, reunindo tudo em 12 edições luxuosas.


Lone Wolf virou referência pop nos EUA, sendo homenageado em trabalhos como a HQ Ronin (de Frank Miller) ou os filmes Kill Bill (de Quentin Tarantino). O sucesso nos EUA foi tão grande que, em 2002, uma "sequência" futurista foi autorizada, intitulada Lone Wolf 2100. Mas uma continuação verdadeira mesmo viria em 2006, no Japão, e com roteiro do próprio Kazuo Koike. Com o título Shin ("Novo") Kozure Ookami, esse mangá foi desenhado por Hideki Mori, pois Goseki Kojima falecera em janeiro de 2000, aos 71 anos. Esse mangá retomou a história após o final da série original e mostra o destino de Daigoro. Foram 11 volumes,


No Brasil - Mangá e live-action:

A primeira edição brasileira, pela Cedibra.

Lobo Solitário foi o primeiro mangá oficialmente traduzido para o mercado editorial brasileiro. Isso em 1988, através da Editora Cedibra, que seguiu a edição da First, com formato americano, as capas de Frank Miller e leitura em modo ocidental, graças à inversão de páginas e rearranjo de quadros (quando possível) feita nos EUA. Foram apenas 9 edições até seu cancelamento. A imprensa alardeou bastante o lançamento, mas o mercado ainda não estava no ponto certo para tal publicação. Depois, em formato menor, algumas edições apareceram esporadicamente em bancas, através da editora Nova Sampa, até meados de 1993.


Mas o primeiro contato de brasileiros com a história sangrenta de Itto Ogami foi através de uma de suas adaptações em live-action. Rebatizado aqui de O Samurai Fugitivo, o seriado do Lobo Solitário foi exibido na antiga TVS - Canal 4, o atual SBT. Era exibido às segundas-feiras, às 23h00, e teve mantidas as cenas de violência e nudez. A série, que tinha o mesmo nome do mangá, foi exibida no Japão entre 1973 e 76, totalizando 79 episódios de 55 minutos cada (incluindo comerciais). Depois da TVS, passou brevemente na TV Record e depois na TV Corcovado (Rio de Janeiro). 


Uma outra adaptação live-action, desta vez feita para cinema, foi lançada no Brasil em vídeo pela distribuidora Continental, que inclusive usou na embalagem um logo semelhante ao das edições da Cedibra e Nova Sampa. Posteriormente, saiu uma coleção em DVD pela Versátil Home Video, que lançou todos os seis filmes originais, produzidos entre 1972 e 74. 



Voltando ao mangá, a edição fiel ao original veio somente com a publicação pela Panini Comics, iniciada em dezembro de 2004. Dessa vez, formato e adaptação foram feitos a partir do original japonês, exceto pelas capas americanas. Em 2016, voltou em nova edição, com atualização ortográfica e novo design editorial. É um daqueles clássicos obrigatórios que o fazem por merecer e, para quem gosta de histórias adultas e dramáticas, talvez seja o clássico absoluto do gênero samurai. 


Lobo Solitário é uma leitura poderosa, cheia de cenas grandiosas, engendradas por dois dos maiores autores de quadrinhos de todos os tempos. É também um mergulho no passado sangrento do Japão feudal, onde a vida humana tinha pouco valor e o conceito de honra era atrelado a uma ausência de sentimentos. Mais do que o retrato de uma época, um grandioso olhar sobre a bravura e o espírito humano.


LOBO SOLITÁRIO

Título original: Kozure Ookami ~ 子連れ狼

Título internacional: Lone Wolf and Cub

Roteiro: Kazuo Koike

Arte: Goseki Kojima

Editora: Panini Comics/ Planet Manga

Tradução: Drik Sada

Formato: 13,7 x 20 cm, com 280 páginas (média)

Total de volumes: 28

Lançamento no Brasil: 1988 (Cedibra) / 2016 (versão mais recente - Panini)

Classificação indicativa: 18 anos


 

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