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Pioneiros do animê e do tokusatsu no Brasil

Atualizado: 29 de out.

Quem foram as pessoas e empresas que iniciaram a era do animê e do tokusatsu para o público brasileiro?

Acima: Homem de Aço, A Princesa e o Cavaleiro, Cavaleiros do Zodíaco. Abaixo: Jaspion, Ultraman e National Kid.
Acima: Homem de Aço, A Princesa e o Cavaleiro, Cavaleiros do Zodíaco. Abaixo: Jaspion, Ultraman e National Kid.

Uma pergunta que muitos fãs e criadores de conteúdo fazem é sobre quem teria trazido os primeiros títulos de animê e tokusatsu ao Brasil. Como as referências são difíceis, imprecisas e bastante antigas, muita informação errada já foi bastante difundida, inclusive por assessorias de comunicação. Vamos analisar casos que envolvem méritos reais, misturados com jogadas de marketing e muita imprecisão histórica.


Agindo como o jovem que acredita que o mundo começou quando ele nasceu, muita gente madura acredita que Cavaleiros do Zodíaco foi o "primeiro anime" exibido no Brasil. CDZ, que estreou na extinta TV Manchete em setembro de 1994, desencadeou a primeira e maior febre por desenhos japoneses no Brasil, mas nem de longe foi o primeiro desenho animado japonês a ser exibido.


Alguns ainda se apegam à ideia, igualmente errada, de que CDZ teria sido o "primeiro anime de verdade" (seja lá o que isso signifique), o "primeiro anime moderno", ou o "primeiro a contar uma grande saga em episódios, ao invés de capítulos fechados". Outros animês já traziam esse formato narrativo, e com sucesso, mas nada comparado à histeria de CDZ. Vale lembrar que sucesso e pioneirismo são palavras sem qualquer ligação causal entre si. E produções posteriores a CDZ já haviam sido lançadas no Brasil.


Animações japonesas já eram vistas e conhecidas no Brasil décadas antes do termo "anime" ter se popularizado através de revistas especializadas nos anos 90. [Nota: A forma mais correta de pronúncia é "animê" (palavra oxítona), mas no Brasil a forma equivocada (como paroxítona) se tornou a predominante.]


A falta de informação e de contexto histórico criou uma celebridade no meio otaku brasileiro, que é o "Pai dos animes", alcunha atribuída a Eduardo Miranda, que foi o Diretor de Programação da Manchete na época em que a emissora exibiu Cavaleiros do Zodíaco. A febre CDZ provocou uma inundação de animês na TV brasileira, tanto na Manchete quanto nas concorrentes, criando uma época de ouro que jamais se vira antes - e que jamais repetirá. Por isso, Miranda foi apelidado por fãs como o "Pai dos Animes no Brasil", título que ele acabou aceitando.

Speed Racer: O primeiro grande sucesso do animê no Brasil. Muitos não sabiam que era feito no Japão.
Speed Racer: O primeiro grande sucesso do animê no Brasil. Muitos não sabiam que era feito no Japão.

Entre o final dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 70; foram lançados no Brasil as séries animadas de Homem de Aço, Oitavo Homem, Taro Kid, Marino Boy, Ás do Espaço, Zoran, Kimba, Príncipe Planeta, O Judoca, Cyborg 009, A Princesa e o Cavaleiro, Super Dínamo, Shadow Boy, Fantomas, Speed Racer e Sawamu, entre outros títulos. Sem que se soubesse claramente que eram desenhos japoneses (exceto quando a ambientação era óbvia), o público brasileiro já se acostumava com o traço expressivo do animê, por sua vez oriundo do mangá. Emissoras de TV traziam séries através de distribuidoras internacionais, e é bastante difícil rastrear a primeira série, já que houve um lote inicial, que incluía o Homem de Aço e o Oitavo Homem. A década de 1970 foi recheada de animações japonesas na TV.


Nos anos 80, foram exibidos Rei Arthur, Honey Honey, Saber RiderAngel, Zillion, Menino Biônico, Candy Candy, Robotech, Don Drácula, O Pirata do Espaço e Patrulha Estelar, entre outros desenhos que ainda mantiveram o traço japonês vivo na TV.


Quando Cavaleiros estreou, em 1994, praticamente não havia mais nada do gênero sendo exibido e um público totalmente novo descobriu a intensidade emocional dos desenhos japoneses. Mas, daí a chamar alguém de "Pai do Anime no Brasil" por ter trazido um grande sucesso, ainda que seja um divisor de águas, é um exagero de uma ingenuidade enorme. Mesmo a informação sobre ele "trazer" CDZ ao Brasil é um equívoco, pois não foi uma iniciativa que partiu dele. 


Cavaleiros do Zodíaco: Um fenômeno sem precedentes no Brasil.
Cavaleiros do Zodíaco: Um fenômeno sem precedentes no Brasil.

Cavaleiros do Zodíaco foi trazido ao Brasil pela empresa Samtoy, que apresentou um plano de licenciamento que incluía o lançamento dos belos - e caros - bonecos da Bandai. Não era uma aposta às cegas baseada apenas em intuição. CDZ fora um grande sucesso em seu país de origem e já despontava como um êxito comercial em alguns países da Europa, principalmente na França.


Na posição de Diretor de Programação da TV Manchete, o crítico de cinema Eduardo Miranda planejava e organizava na grade de programação as atrações, o que era sim muito importante. Não entrarei no mérito de analisar cada animê que se atribui a ele o lançamento no Brasil, pois são detalhes que podem ser melhor explorados por quem quiser se aprofundar. A questão é usar corretamente a linguagem em uma época marcada pela deturpação de sentido original em muitos termos. 


Miranda foi importante, talvez até decisivo no lançamento e sucesso de CDZ no Brasil, mas chamar ele de "Pai do Anime no Brasil" é de uma tolice gritante. Talvez "Padrinho de CDZ no Brasil" fosse mais correto.


Como o animê se tornou uma mídia de enorme sucesso e popularidade, não faltam pioneiros a serem apontados de maneira equivocada. Algo parecido acontece com o tokusatsu, com um fandom já bem estabelecido no Brasil.


National Kid: Herói de toda uma geração.
National Kid: Herói de toda uma geração.

TOKUSATSU NO BRASIL


Desde a segunda metade da década de 1950, os hoje extintos cinemas japoneses do bairro paulistano da Liberdade exibiam oficialmente filmes dos maiores estúdios japoneses. Clássicos de Godzilla e vários filmes de kaiju foram exibidos, em cinemas pertencentes a distribuidoras japonesas, conforme relatado no livro Cinema Japonês na Liberdade, mas vamos nos concentrar na difusão pela TV. E vale destacar que o termo "tokusatsu" só foi pegar mesmo nos anos 2000, até então se falava em "filme de monstro japonês", "herói japonês" e, nos anos 90, se usou muito o termo live-action, para diferenciar das animações.


O primeiro super-herói japonês a estrear na TV brasileira foi o National Kid, pela TV Record, em 5 de março de 1964, sendo posteriormente exibido na TV Globo. Depois, mais para o final da década, vieram Ultra Q, Ultraman e Ultraseven em diferentes emissoras. E os heróis não paravam de chegar.


O público brasileiro logo iria conhecer e se apaixonar pelas aventuras do Robô Gigante, Esper, Vingadores do Espaço, O Regresso de Ultraman, Spectreman, e iriam descobrir filmes antigos de Godzilla e Gamera quando foram exibidos na TV. Tanto séries quanto filmes de tokusatsu já eram conhecidos no Brasil, mas viraram febre nacional somente com a chegada ao Brasil de Jaspion e Changeman, no final dos anos 80.


Jaspion e Changeman foram lançados no Brasil inicialmente em fitas VHS em 1986 por iniciativa da Everest Vídeo, sendo uma aposta do empresário Toshihiko Egashira. Com o sucesso, a empresa conseguiu levar as séries para exibição na Manchete em 1988, tendo enorme sucesso. A empresa estava tentando trazer ao Brasil o modelo japonês de negócios, onde desde suas estreia as séries já possuem produtos licenciados, o que deu muito certo e impactou todo o mercado de merchandising. Depois, veio Flashman pela Everest e a distribuidora Top Tape entrou no mercado, trazendo Jiraiya, Lion Man e Jiban. E a invasão não parou, com outras emissoras e distribuidoras lançando super-heróis de tokusatsu até saturar o mercado.


Jaspion: Mega sucesso no Brasil, cultuado até hoje.
Jaspion: Mega sucesso no Brasil, cultuado até hoje.

Assim, é fácil perceber que a Everest (posteriormente chamada de Tikara Filmes) não foi a pioneira em trazer tokusatsu ao Brasil, mas pode-se dizer que apresentou o tokusatsu moderno ao público brasileiro, que havia perdido contato com o gênero já fazia muito tempo. De pioneiro mesmo, vale ressaltar que a Everest veio com um marketing de personagens, trazendo séries de TV já com um projeto inicial de licenciamento de brinquedos, que logo se expandiu para produtos editoriais, fantasias e produtos variados.


Em outro caso que vale relatar, aconteceu no Centro Cultural São Paulo, em 2020 a mostra de animação japonesa intitulada Verão Otaku. Entre as atrações, foi anunciado um bate-papo com o sr. Nelson Sato; apresentado pela organizadora do evento, a Black Pipe Entretenimento, como "...responsável pela difusão de animes na televisão brasileira, que trouxe basicamente todo o catálogo exibido na extinta TV Manchete nos anos 1980 e 1990...". Nem de longe essa afirmação é verdadeira. Não se sabe onde tal informação brotou.


A Sato Co. surgiu como Brazil Home Video nos anos 1980 e trouxe ao país animês como Macross - A Batalha Final, Voltes V, Baldios - Os Guerreiros do Espaço e Capitão Harlock e Sua Nave Arcádia, entre outros. Nelson Sato foi realmente um dos pioneiros no lançamento de animês de longa-metragem no país (ao lado da Everest Video), mas obviamente não foi pioneiro no lançamento de animês na TV brasileira, pelo que já foi explicado anteriormente. Felizmente ele não puxa para si tal mérito, é importante frisar.


Jiraiya: Ninjas modernos conquistaram o Brasil. Lançado pela Top Tape, atualmente pertence à Sato Company.
Jiraiya: Ninjas modernos conquistaram o Brasil. Lançado pela Top Tape, atualmente pertence à Sato Company.

Com a febre Jaspion e Changeman no final dos anos 80, Sato lançou o tokusatsu Cybercop na TV Manchete em 1990 e, posteriormente, conseguiu a façanha de lançar o longa animado AKIRA em cinemas brasileiros, um feito muito à frente de seu tempo.


Por tudo isso, a empresa e seu proprietário merecem um lugar de destaque na difusão do animê e do tokusatsu no Brasil, mas não se pode atribuir um peso maior do que realmente possui. Além disso, assim como animê, o tokusatsu também já era conhecido no Brasil, apesar do termo que o define também não ser usado aqui até a segunda metade da década de 1990.


Atualmente, a Sato Company detém os direitos de Jaspion e Jiraiya, além da franquia Kamen Rider (entre outros), mas a redação dos textos de apresentação da empresa é bastante imprecisa, dando margem a entender que a empresa lançou originalmente esses ícones do tokusatsu no Brasil, além de Ultraman e National Kid (que, salvo engano, já não fazem parte de seu portfolio). Nenhum desses títulos citados na frase anterior foi originalmente trazido ao nosso país pela Brazil Home Video ou Sato Company.


Clareza inequívoca de informação deveria ser regra obrigatória em qualquer peça de comunicação, ainda mais levando-se em conta as péssimas avaliações de nosso país no quesito interpretação de texto.


O melhor do estilo CityPop
O melhor do estilo CityPop

No dia 26 de outubro de 2025, no Instagram, o perfil @administradores postou sobre a Sato Company, e escreveu assim: "Em 1981, Nelson Sato abriu uma pequena locadora com 20 fitas VHS. Quatro décadas depois, transformou a Sato Company na principal distribuidora de conteúdo asiático do país — responsável por trazer Jaspion, Akira, Ultraman, doramas e k-dramas para o público brasileiro." O texto faz o leitor que não acompanha esse universo ficar admirado com tanto pioneirismo. Mas a empresa não trouxe nem Jaspion e nem Ultraman, mas sim licenciou esses personagens bem posteriormente à chegada deles ao Brasil.


"O primeiro evento", "a primeira publicação", "o maior especialista em tal assunto", "o primeiro a falar tal coisa", "o maior responsável por tal acontecimento" são exageros e hipérboles que surgem tão espontaneamente que são mais fruto de despreparo e entusiasmo do que de um planejado oportunismo (mas nem sempre). No entanto, é preciso usar as palavras conforme seu significado, não conforme sua conveniência.

Ser "oficial", "atual" e "original" são coisas diferentes, assim como é diferente ser o "licenciante original" e o "licenciante atual". Ou ser "um dos responsáveis", reconhecendo a existência de outros, ao invés de se dizer "o maior responsável" por tal acontecimento. Interpretação de texto já não é o forte do povo brasileiro, então quem faz uso da palavra escrita deve ser preciso, claro e verdadeiro em suas colocações. Isso vale para tudo na vida.


Kamen Rider BLACK: Trazido pela Tiraka Filmes (Everest), atualmente é licenciado pela Sato Company.
Kamen Rider BLACK: Trazido pela Tiraka Filmes (Everest), atualmente é licenciado pela Sato Company.

CONCLUSÃO

Tanto o sr. Eduardo Miranda da Manchete quanto o sr. Nelson da Sato Company são pessoas que tiveram enorme importância na difusão e fortalecimento da cultura pop japonesa no Brasil. São pessoas de visão que souberam aproveitar o que tinham em mãos e merecem aplausos e honrarias. Foram eles, mais o sr. Toshihiko da Everest/ Tikara, o pessoal da Samtoy e outros, como o sr. Takeo da Alien International, o pessoal da Romstar (que representava a Capcom no Brasil) e demais empresas e profissionais de licenciamento que criaram o que se pode chamar de "era moderna" dos personagens japoneses no Brasil. Mas não se pode deixar de ressaltar que outros foram os pioneiros em trazer obras japonesas. E, se há um nome a se destacar na era moderna dos personagens japoneses no Brasil, esse nome é o de Toshihiko Egashira. Sem o sucesso do lançamento planejado de Jaspion e Changeman, não haveria precedentes para o lançamento de CDZ.


Antes de Jaspion e Changeman, as produções japonesas vinham aleatoriamente via distribuidoras, diretamente para os canais de TV, sem projetos de marketing e com poucos produtos licenciados. Esse tipo de planejamento estratégico só começou mesmo no final dos anos 80, com Jaspion e Changeman, e subiu a novos patamares no período pós-CDZ. Porém, não se pode negar o pioneirismo VERDADEIRO de muitas pessoas anônimas dos departamentos de programação e seleção de atrações de vários canais de TV e distribuidoras que trouxeram dezenas de produções japonesas ao Brasil, muito antes daqueles a quem se atribuem méritos bastante imprecisos. 


Pode ser que os erros mostrados aqui sejam fruto de equívocos de assessorias de imprensa, mas aqueles que se beneficiam dos aplausos por méritos que não são seus, deveriam ser os primeiros a trabalhar pela divulgação da verdade dos fatos. 


Leia mais:


Entrevista exclusiva com Toshihiko Egashira, da Everest Video:


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