Os quadrinhos japoneses que trataram o piloto brasileiro como herói ainda em vida.
Quando o tricampeão mundial de Fórmula 1, o lendário Ayrton Senna, morreu em um acidente em 1994, o mundo todo viu na TV demonstrações de tristeza e pesar no Brasil, que perdeu de forma trágica um de seus maiores heróis nacionais.
A morte de Senna, então com 34 anos, repercutiu também em vários países, principalmente no Japão. Os japoneses tinham (e têm) verdadeira adoração por Senna, não apenas pelo fato de ele ter elevado o nome dos motores Honda, mas também por ter qualidades que os japoneses valorizam, como disciplina, coragem e dedicação ao trabalho.
Senna era considerado no Japão o “Deus da Velocidade” e sua morte tocou fundo no coração do povo japonês, que lhe prestou muitas e emocionadas homenagens. Muitos repórteres não conseguiam conter as lágrimas na transmissão das notícias e, depois, do enterro. Porém, a maior prova de admiração daquele povo por Senna foi dada quando o piloto ainda estava vivo.
Shonen Jump, o mais popular almanaque semanal de mangá do Japão, transformou Senna em personagem de quadrinhos muito antes do aparecimento do Senninha. Foram três séries curtas publicadas entre 1990 e 1992, período em que a Jump patrocinou a equipe McLaren de Fórmula 1. Na primeira, GP Boy, Senna aparece mas não é o personagem principal.
Na segunda, é o protagonista de Fastest One, uma série que mostrava a trajetória de Senna e sua rivalidade com o francês Alain Prost. A Jump também homenageou Senna em algumas capas e ilustrações, além de ter publicado uma reportagem ilustrada por Akira Toriyama (criador de Dragon Ball), que aproveitou a ocasião para conhecer seu ídolo.
Finalmente, veio a principal versão em quadrinhos: F no Senkou – Ayrton Senna no Chousen (ou “O brilho da Fórmula – O desafio de Ayrton Senna”), lançada em agosto de 1991 na Shonen Jump, e que rendeu dois volumes compilando toda a saga.
Com um traço realista, narrativa cinematográfica e um impressionante desenho de máquinas, esse mangá foi o que melhor soube passar a emoção de uma corrida real aos leitores.
No primeiro número (edição 35, de 1991), uma singela homenagem ao automobilismo brasileiro: Em flashback, aparece o bicampeão de F-1, Emerson Fittipaldi, vencendo o GP Brasil de Interlagos de 1973. Assistindo a tudo, jovens sonhadores vibram com a vitória do primeiro ídolo do automobilismo brasileiro. Com lágrimas nos olhos, aparece o futuro tricampeão mundial Nelson Piquet (na época com 20 anos), além de Roberto Pupo Moreno (com 14 anos) e Maurício Gugelmin (com 9 anos). [Nota: Moreno e Gugelmin tiveram passagens modestas pela Fórmula 1, mas ambos chegaram a subir em pódios de corridas.]
Por último, aparece um emocionado garoto de 12 anos chamado Ayrton Senna. A imagem muda e mostra Senna já como adulto, sentado no cockpit do seu possante carro da equipe britânica McLaren, movido pelo motor japonês Honda, à espera da largada do GP Brasil de 1991, a corrida de abertura da temporada.
Com toda a sua garra, Senna é retratado quase como um super-herói, e seu amigo Gerhard Berger, também da McLaren, é o herói coadjuvante da série. Senna era o piloto principal, e a estratégia de equipe sempre coloca o segundo piloto para, na medida do possível, atrapalhar a passagens dos rivais.
Para os aficionados por Fórmula 1, a revista dava um show, mostrando com detalhes o maquinário da época e todos os pilotos da temporada de 1991. Piquet, Gugelmin, Moreno, Jean Alesi, Prost, Mansell, Riccardo Patrese, Satoru Nakajima, JJ Lehto... Estão todos lá para enfrentar Senna e Berger. Assim, foi contada a saga do tricampeonato de Senna, conquistado no derradeiro GP do Japão, em Suzuka.
A série tinha criação de Koyuu Nishimura, com texto e arte da dupla Katsuhiro Nagasawa e Hirohisa Onikubo. O interessante é que, quando a história começou a ser produzida, o campeonato real estava em pleno andamento. Nem os autores imaginavam que o destino traçaria um roteiro tão perfeito e adequado aos valores japoneses.
No decisivo GP do Japão, Senna deixa o amigo Berger, que o ajudara tantas vezes ao longo do tempo, a vencer a corrida na última volta, já que a pontuação do segundo lugar era suficiente para a conquista do título. Um história construída com esforço, lealdade e garra, bem ao estilo das aventuras dos heróis japoneses. Para uma revista destinada à demografia shonen, (garotos adolescentes) não havia desfecho melhor, ainda mais pelo fato da Shonen Jump ter como palavras-chave os termos "amizade", "esforço" e "vitória".
Por tudo isso, esse é um mangá que deveria ser lançado no Brasil, não apenas pelo seu valor histórico, mas por apresentar um trabalho de alta qualidade que ajudou a consolidar no Japão a imagem de Senna como um grande piloto e, acima de tudo, como um grande homem. Foi uma homenagem e tanto ao eterno tricampeão.
Em entrevistas, Senna dizia que quando criança era grande fã do animê Speed Racer, e isso o teria influenciado a querer ser piloto de corridas também. Ao se tornar, ele também, um herói da cultura pop, Senna invadiu o imaginário de muitas pessoas, que o admiravam não apenas por suas grandes habilidades como piloto, mas também pelos valores de dedicação e lealdade que ele transmitia ao público.
- Texto originalmente publicado na revista Herói ed. 24 (ACME/ Nova Sampa, 1995), devidamente ampliado e revisado para publicação no Sushi POP.
- Confira também: A origem do mangá!
::: E X T R A :::
- Vídeo histórico de 1991, mostrando os momentos finais do GP do Japão. Mesmo sem vencer (por deixar o amigo passar na frente), Senna conquistou seu Tricampeonato Mundial e, por esse motivo, a TV Globo tocou o "Tema da Vitória" do grupo Roupa Nova, uma tradição nas transmissões sempre que um piloto brasileiro vencia. Quem viveu esse tempo está liberado para suar pelos olhos. Quem não conhecia, veja a magia e emoção de uma época de grandes homens e grandes feitos.
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