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GOJIRA - O Godzilla original de 1954

Uma análise histórica sobre o mais importante filme japonês de ficção científica de todos os tempos.

Uma criatura misteriosa começa a afundar navios japoneses e chega em terra firme, aterrorizando a população. Com 50 metros de altura e força colossal, possui ainda um sopro radioativo que destrói tudo pela frente.


Em uma vila de pescadores, um velho diz que a gigantesca criatura, a quem chama de Gojira (Godzilla, no ocidente) já é velha conhecida do povo daquela ilha, e rondava as profundezas oceânicas. No entanto, algo acontece e o ser irrompe descontrolado, avançando sobre a cidade e devastando todo lugar por onde passa. Descobre-se que Godzilla deixa um rastro radioativo por onde passa, e que deve ter absorvido quantidades enormes de radiação devido a testes americanos de bombas nucleares no Oceano Pacífico. O jovem líder da equipe de salvamento de uma empresa marítima, Hideo Ogata, presencia a destruição causada pelo monstro e se dedica a tentar salvar vidas. Sua namorada é Emiko, que cuida e auxilia os trabalhos de pesquisa do pai, o paleontólogo Dr. Kyohei Yamane. O cientista, por sua vez, se angustia com os planos para destruir o monstro, por entender que ele seria valioso para a ciência, inclusive para salvar vidas.


Os humanos nada podem fazer, pois suas armas não conseguem ferir o monstro; e talvez a única esperança seja a substância Destruidor de Oxigênio, criado pelo cientista Dr. Serizawa. Ex-discípulo do Dr. Yamane e praticamente um irmão de Emiko, ele pode ser o elemento fundamental na estratégia para vencer Gojira.


Um dos mais importantes e influentes filmes japoneses até hoje, Gojira deu origem a uma franquia gigantesca e é um dos maiores ícones da cultura pop japonesa e do próprio cinema japonês. Vamos entender sua importância e influência.

Cartaz de divulgação do filme.

O PESO HISTÓRICO


Para entender o peso do filme na época de seu lançamento, em 1954, é preciso ter em mente que a Segunda Guerra Mundial (1939~1945) havia terminado há menos de 10 anos. Reconstruído com grande rapidez graças ao investimento americano, o país se modernizava cada vez mais rápido.


Abraçando novos valores e tentando deixar seu passado imperialista para trás, as feridas de guerra ainda eram muito doloridas. O que se vê lá é um Japão que não existe mais, e vários elementos culturais passam despercebidos.


No começo do filme, quando aparece uma vila de pescadores com o povo esperando encontrar sobreviventes de um naufrágio na praia, aparecem algumas velhinhas de peito nu entre a multidão. Foi um dos últimos registros em película das tradicionais mergulhadoras e coletoras de frutos do mar conhecidas como "ama". Naquela época, com a presença ocidental no país, as mais jovens já cobriam bem o corpo, mas as mais velhas já haviam se acostumado a trabalhar quase nuas. Atualmente, a profissão se modernizou, mas há poucas mulheres ainda na atividade.


Em outra cena rápida aparecem alguns pescadores portando espadas de samurai, um resquício de tempos ainda mais antigos. Mais evidentes são os cortes de cabelo adotados pelas mulheres, geralmente curtos e de aparência ocidentalizada. E, obviamente, há muitas referências às cicatrizes de guerra do Japão, que não são poucas.


Quando o professor Yamane diz que Godzilla deveria ser mantido vivo, ele não o faz por ser um paleontólogo defendendo sua área de estudo. Ele diz que seria de grande importância descobrir como Godzilla vive mesmo após ter absorvido quantidades maciças de radiação. Com muitos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki morrendo de câncer ou sofrendo horrores com as queimaduras nucleares naquele tempo, seria possível tratar essas pessoas. Mas não são nada sutis as referências aos traumas de guerra, como se pode ver na metade final do filme.


Na primeira cidade que recebeu a visita de Godzilla, cientistas detectam radiação e atestam que toda a água que abastecia a cidade estava contaminada, proibida para consumo. A situação lembra o desespero que caiu sobre os sobreviventes das bombas atômicas.


Quando o monstro avança sobre Tokyo, pessoas morrem por todos os lados, pois muitos não conseguem fugir. Em meio a uma cidade em chamas, aparece uma mãe abraçada a um bebê e duas crianças pequenas assustadas. Para tranquilizá-las, diz a elas que em breve vão se encontrar com o pai já morto, e aquilo atinge o público como um soco no estômago. Aparecem hospitais improvisados, pessoas gemendo, crianças chorando, todos desorientados e assustados. Um médico aparece aproximando um medidor de radiação em uma garotinha e ficando com semblante pesado. Aquele filme foi visto por pessoas que testemunharam cenas iguais na vida real. A mensagem do filme é um alerta para a necessidade do uso da ciência para a paz e um apelo contra as armas nucleares. E também carrega um alerta sempre atual, quando é dito que os políticos certamente fariam mau uso da perigosa substância química criada pelo Dr. Serizawa. Com um sacrifício heroico no final, os humanos conseguem exterminar o gigante, mas ao mesmo tempo se conscientizam de que outros do mesmo tipo poderiam aparecer. Uma previsão mais do que acertada.

Momoko Kouchi e Akira Takarada

BASTIDORES E REPERCUSSÃO


Gojira surgiu como um projeto pessoal do produtor Tomoyuki Tanaka (1910~1997), da Toho Company, que encomendou a seus profissionais de confiança um filme de monstro gigante, no estilo do clássico americano The Beast from 20,000 Fathoms (1953). E assim, o diretor Ishiro Honda (1911~1993) e o mestre dos efeitos especiais Eiji Tsuburaya (1901~1970) fariam a primeira de muitas parcerias para a Toho. Anos depois, Tsuburaya criaria seu próprio estúdio e faria História novamente ao coordenar os trabalhos de criação de Ultraman, outro ícone da cultura pop japonesa. O nome da criatura veio da combinação dos termos japoneses "kujira" ("baleia") e "gorira" ("gorila"), um nome que imaginavam soar exótico e capaz de indicar que a criatura seria colossal como uma baleia, e selvagem como um gorila. O filme foi orçado em 100 milhões de ienes (cerca de 670 mil dólares, o que era razoável para a época), com uma arrecadação de 152 milhões de ienes nas bilheterias de cinema. Seu elenco, liderado por Akira Takarada (1934~2022), era formado por atores do primeiro escalão de astros japoneses e a produção só teve seu prestígio aumentado com o passar dos anos. A repercussão foi tão grande que a Toho encomendou uma continuação em ritmo acelerado, dando origem ao filme Gojira no Gyakushuu (rebatizado depois como Godzilla Raids Again), em 1955. Um terceiro filme viria em 1962, com o aguardado confronto com o famoso monstro americano, gerando o filme King Kong vs Godzilla. Muitas outras produções viriam depois, com Godzilla eventualmente se tornando o salvador da humanidade.


Em 1956, o filme foi adaptado nos EUA como Godzilla The King Of Monsters, e se tornou um filme significativamente diferente do original. Foram acrescentadas muitas cenas com um elenco americano liderado pelo ator Raymond Burr, famoso na época pela série de TV Perry Mason. Seu nome passou a ser o principal do elenco, interpretando um repórter que investiga sobre Godzilla. Foi a primeira adaptação americana de uma obra japonesa com acréscimo de atores ocidentais, antecipando em décadas o que seria feito, de forma mais intensa, pela Saban Entertainment e sua franquia Power Rangers nos anos 1990.

Godzilla vs Biollante (1989), um dos melhores filmes japoneses da franquia.

Com o sucesso nos EUA, o personagem ganhou o mundo, virou ícone cultural e teve muitas continuações em seu próprio país, tendo gerado também mangá, animê e se tornou o primeiro e mais aclamado kaiju (hoje traduzido por "monstro gigante") do cinema japonês. Nos EUA, ganhou versões em animação para a TV, quadrinhos e live-action para cinema, sendo atualmente o centro do Monsterverse, o universo cinematográfico de monstros gigantes da Legendary Pictures.


Em 2016, já com o licenciamento para o Monsterverse americano em andamento, Godzilla teve um novo filme japonês, o aclamado Shin Godzilla, que retomou e atualizou os conceitos originais do monstro, acrescentando mais camadas políticas em um filme com uma escala de destruição apoteótica digna de Hollywood. Respeitando a ampliando os alertas e inquietações do filme original, foi uma homenagem e tanto ao trabalho de Ishiro Honda e seus companheiros.

Tendo se tornado uma franquia milionária cheia de ramificações na cultura popular, Godzilla atravessa gerações com um legado duradouro e seu rugido ainda vai ecoar por muito tempo.



- Trailer oficial:

::: FICHA TÉCNICA :::

Título original: Gojira ~ ゴジラ

Lançamento no Japão: 03/11/1954 [Obs.: Houve uma pré-estreia na cidade de Nagoya, em 27/10/1954, mas a Toho considera o lançamento nacional para fins de comemoração.]

Duração: 97 minutos


EQUIPE DE PRODUÇÃO

História original: Shigeru Kayama Roteiro: Takeo Murata, Ishiro Honda Trilha sonora: Akira Ifukube Efeitos sonoros: Ichiro Minawa Efeitos especiais e design de Godzilla: Eiji Tsuburaya Produção: Tomoyuki Tanaka Direção: Ishiro Honda Realização: Toho Company


ELENCO:

Hideto Ogata: Akira Takarada Emiko Yamane: Momoko Kouchi Dr. Daisuke Serizawa: Akihiko Hirata Dr. Kyohei Yamane: Takashi Shimura Hagiwara: Sachio Sakai Shinkichi: Toyoaki Suzuki

Gojira (suit actor): Haruo Nakajima (principal) e Katsumi Tezuka


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