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Tokusatsu: Reino de monstros e super-heróis

Contando grandes histórias com efeitos especiais.

Os três mais importantes personagens do tokusatsu: Ultraman, Kamen Rider e Godzilla.

Tokusatsu (leia “tokussatsu”) é a forma como são chamados os filmes e seriados de efeitos especiais japoneses, quase sempre com super-heróis e monstros. O termo é uma abreviação de tokushuu kouka satsuei, ou “filmagem de técnicas especiais”.


O primeiro filme de tokusatsu a ser reconhecido como tal foi Godzilla (título internacional de Gojira), de 1954, um clássico absoluto do estúdio Toho. Com drama e violência, é contada a história de um monstro gigante que desperta devido a testes nucleares e devasta o Japão, menos de uma década após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial. Com direção de Ishiro Honda (1911~1993), efeitos especiais de Eiji Tsuburaya (1901~1970) e produção de Tomoyuki Tanaka (1910~1997) ), o filme é considerado o marco inicial do tokusatsu como um gênero de entretenimento..


Existem comunidades de fãs brasileiros que adoram Kamen Rider, Ultraman, Super Sentai e Metal Hero, as linhagens mais populares, com produções em geral voltadas aos públicos infantil e infanto-juvenil. Também existem produções mais adultas, elaboradas e sofisticadas em um vasto universo de entretenimento.


ANTES DE TUDO, A TÉCNICA


Há duas formas de se entender a palavra tokusatsu. Pode ser um conjunto de técnicas de efeitos especiais de forte identidade nas produções clássicas, como o uso de maquetes, cabos para suspender miniaturas de naves e aviões, roupas de monstros, alienígenas e heróis, explosões, sobreposição de imagens e outros recursos.


Assim, tokusatsu foi definido como qualquer tipo de filme ou série em que seja imprescindível o uso de efeitos especiais para contar seu enredo. Terror e ficção científica para cinema eram os temas mais recorrentes, mas nos anos 1960 e 70 os super-heróis de TV se tornaram dominantes no campo do tokusatsu. Por isso, tokusatsu praticamente virou sinônimo de seriado de super-heróis japoneses ou de inspiração óbvia nesse tipo de personagem. Em termos técnicos, várias produções precederam o primeiro filme de Godzilla no uso de efeitos especiais.


OS PIONEIROS

Jiraiya The Hero, de 1921. Curta-metragem pioneiro, com direito a super-herói e "monstros" (no caso, um sapo e uma serpente enormes).

O mais antigo registro de uso de efeitos especiais no Japão data de 1921, com o filme Gôketsu Jiraiya ("Jiraiya The Hero"), um curta-metragem de 21 minutos dirigido por Shôzo Makino (1878~1929). Trata-se de um filme mudo, com algumas trucagens de cena, como a transformação do herói e seu rival Orochimaru em sapo e serpente gigante, respectivamente.

Kurutta Ippeji (1926): O nascimentos dos efeitos especiais japoneses.

Em termos de cinema de longa-metragem, o mérito recai sobre o perturbador filme Kurutta Ippeji (“Uma página de loucura”, de 71 min.), obra de 1926 do diretor Teinosuke Kinugasa (1886~1982), que utilizou o recurso de sobreposição de imagens para criar sua atmosfera de insanidade.


Indo mais além no cinema de fantasia, o mais antigo filme de tokusatsu com um ser gigante do qual existe algum registro escrito confiável é Daibutsu Kokaiku [*] ~The Great Buddha Arrival), de 1934. Dirigido por Yoshiro Edamasa (1888~1944), era um filme de fantasia que narrava o pânico em Tóquio quando uma gigantesca estátua de Buda surge caminhando pela cidade. Sem risco de soar como algo blasfemo, várias referências apontam esse filme como o primeiro kaiju eiga (“filme de monstro gigante”), o que o coloca imediatamente dentro dos conceitos modernos de tokusatsu. [* Nota: Literalmente, o nome do filme seria "O Grande Buda Caminha Pelo País", mas usamos aqui o título internacional oficial.]

Uma das poucas imagens que restaram do filme A Chegada do Grande Buda (1934).

Infelizmente, é um filme do qual não restou cópia alguma, tendo as últimas sido destruídas durante os bombardeios sofridos pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. Durante os grandes incêndios e explosões que atingiram Tóquio, inúmeras obras literárias, artísticas e cinematográficas se perderam para sempre, além dos incontáveis mortos. O próprio diretor faleceu durante a guerra, em 1944, aos 55 anos, vítima de tuberculose, agravada pelas condições críticas em que estava o país. Ele foi considerado o mestre que deu as primeiras orientações técnicas para Eiji Tsuburaya e certamente não imaginava o quão longe seu discípulo iria chegar. Em 2018, o filme de Edamasa sobre a estátua gigante ganhou uma nova interpretação, pelas mãos do diretor Hiroto Yokokawa.


Durante a guerra, Eiji Tsuburaya produziu filmagens com sofisticadas maquetes e trucagens para filmes que exaltavam a marinha japonesa. Em 1940, ele dirigiu Kaigun Bakugeki-tai (ou “Esquadrão Bombardeiro Naval”), que atraiu grande atenção da imprensa. Vários outros filmes se seguiram, como duas adaptações da lenda do Macaco-Rei Saiyuki (famosa na Ásia e que inspirou vagamente a saga Dragon Ball) e Hawaii Marei Oki Kaisen (“Guerra marítima – Do Havaí à Malasia”, 1942). Algumas de suas técnicas ele aprendeu com Yoshiro Edamasa, mas desenvolveu muitas soluções originais.

Ogon Batto (1950): Primeira versão para cinema do herói conhecido no Brasil como Fantomas.

Em 1950, veio a primeira adaptação de um famoso super-herói oriundo do antigo kamishibai (histórias narradas ao vivo com ilustrações), o sombrio Ogon Batto (conhecido no Brasil como Fantomas), outro filme do qual não restaram registros e não se sabe se usou ou não técnicas de efeitos especiais.


MONSTROS E GRANDES CATÁSTROFES


A chegada de Gojira em 1954 mudaria drasticamente os rumos do cinema japonês. Clássico absoluto, definiu tanto o conceito de tokusatsu quanto de kaiju eiga. Lidando com o tema do medo nuclear e inspirado no filme americano The Beast from 20,000 Fathoms (1953), o produtor Tomoyuki Tanaka reuniu os melhores profissionais que conhecia para um filme épico.

Godzilla, um ícone pop mundial.

A destruição em larga escala, o clima de horror, a sensação de uma ameaça impossível de ser parada e a imponente criatura levaram milhões ao cinema. Exportado para os EUA como Godzilla - King of Monsters em 1956, virou ícone pop mundial. Numerosas sequências de Godzilla, outros monstros concorrentes e filmes apocalípticos vieram. O “Trio de Ouro” da Toho – Ishiro Honda, Eiji Tsuburaya e Tomoyuki Tanaka – produziria muitos outros filmes de monstros e também filmes de ficção científica e catástrofe.


King Ghidra, Radon, Mothra, Gamera e muitos outros monstros passaram a povoar o imaginário japonês, e o kaiju eiga se tornou um gênero extremamente popular.


Parecia que o tokusatsu fora feito para filmes sobre monstros gigantes - os kaiju eiga - e grandes catástrofes, mas isso antes dos super-heróis se tornarem o centro das atenções.


OS SUPER-HERÓIS ASSUMEM A LIDERANÇA

Cartaz da cinessérie Super Giants (1957). Apesar do título, o herói era solitário e não ficava gigante.

De modo geral, é comumente aceito que o primeiro filme de super-herói japonês em tokusatsu foi Koutetsu no Kyojin (“Gigante de Ferro”), também conhecido como Super Giants (grafado no plural mesmo), que estreou em 30/08/1957 uma série para cinema com nove episódios, com média de duração de cerca de 50 minutos cada. Produzido pela Shintoho, era um tipo de Superman japonês que lutava contra invasores espaciais.

Gekkou Kamen ("Máscara do Luar"), de 1958.

Na TV, a série pioneira foi a do herói Gekkou Kamen, exibido em 24/02/1958 com produção da Senkosha. Outros heróis de TV da época eram, como ele, justiceiros fantasiados que usavam pistolas para dar cabo de seus adversários. Já o primeiro herói com superpoderes na TV foi o National Kid, da Toei Company, que estreou no Japão em 04/08/1960 e foi posteriormente o primeiro herói japonês a fazer sucesso no Brasil..


A chegada de Ultraman em 1966 pela Tsuburaya Production inaugurou uma grande mania por monstros (que apareciam mais que o herói). Tendo estreado dias antes, Magma Taishi (no Brasil, Vingadores do Espaço) foi o primeiro seriado live-action colorido da TV japonesa e dividiu a atenção da garotada da época. Heróis gigantes inspirados em Ultraman e Ultra Seven (1967) se tornaram comuns, sendo um dos mais famosos o Spectreman (Uchuu Enjin Gori, 1971). O ano de 1971 também trouxe O Regresso de Ultraman (Kaettekita Ultraman), série que inaugurou o conceito de Universo Ultra, com encontros do herói da vez com seus antecessores.

As três grandes fraquias, com seus precursores: Kamen Rider, Ultraman e Super Sentai.

Mas o grande impacto daquele ano inspirado foi o advento de Kamen Rider, projeto do produtor Toru Hirayama (1929~2013), que ganhou forma e conteúdo pelas mãos do autor de mangá Shotaro Ishinomori (1938~1998). Com Kamen Rider, teve início o Henshin Boom, a febre por heróis de tamanho humano que se transformavam com poses especiais e usavam artes marciais e armas ao invés de raios.


Em 1975, veio o Esquadrão Secreto Gorenger, projeto do produtor Toru Hirayama (1929~2013) que ganhou forma com o autor de mangá Shotaro Ishinomori (1938~98). Isso deu origem ao universo Super Sentai, que por sua vez originou a franquia americana Power Rangers, um sucesso mundial de licenciamento e merchandising.


O FASCÍNIO DOS BRASILEIROS PELOS HERÓIS JAPONESES


No Brasil, National Kid foi uma febre no final da década de 1960, sendo mais lembrado no Brasil do que no Japão. Ao longo daquela década, Ultraman, Ultra Seven, Vingadores do Espaço, Robô Gigante (Giant Robo), Spectreman e outros faziam a alegria da criançada. Vários longas também foram exibidos no Brasil, como King Kong vs Godzilla e Latitude Zero, clássicos da Toho Films, e diversos filmes da tartaruga gigante Gamera, do estúdio Daiei.

Jaspion (1985), o mais popular no Brasil.

Em 1986, a Everest Vídeo lançou em fitas VHS os primeiros episódios de Jaspion (Kyojuu Tokusou Juspion) e Changeman (Dengeki Sentai Changeman), séries da Toei de 1985, que se tornaram uma febre sem precedentes quando foram exibidas na TV Manchete a partir de 1988.


Mais coloridas, movimentadas e cheias de saltos acrobáticos e pirotecnias que os clássicos vistos no Brasil, as séries estavam inseridas em um padrão de evolução da linguagem visual e temática do tokusatsu, com histórias dinâmicas que agradavam às crianças.


Como o Brasil havia perdido contato com essas produções desde Spectreman e O Regresso de Ultraman (as séries mais recentes vistas até aquela época), Jaspion e Changeman surpreenderam o público, mesmo que a tecnologia dos efeitos especiais não tivesse evoluído, somente as coreografias, pirotecnias e edição de imagens. O sucesso permitiu a chegada de muitas outras séries, tanto na própria Manchete quanto em outras emissoras.


Flashman (Cho Shinsei Flashman), Jiraiya (Sekai Ninja-sen Jiraiya), Lion Man (Fuun Lion Maru / Kaiketsu Lion Maru), Metalder (Cho Jinki Metalder), Black Kamen Rider (Kamen Rider BLACK), Cybercop (Den-nou Keisatsu Cybercop), Winspector (Tokkei Winspector) e muitas outras produções vieram. Passada a febre, Ultraman Tiga e Ryukendo (Madan Senki Ryukendo) ainda foram lançados, mas sem atingir muito público fora do fandom especializado.

Spielvan (1986), Cybercop (1988) e Metalder (1987): Na esteira do sucesso de Jaspion.

A saturação veio e as séries foram saindo da programação, com poucas tentativas para retomar o tokusatsu na TV. No streaming, o portal Crunchyroll trouxe várias séries do Universo Ultra, a Prime Video tem obras como Jiraiya e GARO e o serviço da Pluto TV tem em seu acervo obras recentes como Jaspion, Kamen Rider BLACK, Ultraman Orb (de 2016, visto originalmente no Crunchyroll) e Kamen Rider Zi-O (2017).


Séries contemporâneas, especialmente da Toei Company, praticamente pouco usam das técnicas clássicas, fazendo quase tudo de forma digital, restando apenas a confecção dos trajes de super-heróis e monstros, maquetes e eventuais explosões. Apesar dos efeitos digitais possuírem um termo próprio, que é VFX – Visual Effects, tudo acabou sendo incorporado ao tokusatsu na percepção do público. A percepção sobre o que é um filme ou série tokusatsu também ficou atrelada ao tipo de estereótipo mais comum das últimas décadas, que é de que se trata de produções de super-heróis coloridos.


Quando séries de animê ou games famosos ganham versão live-action, mesmo que a produção use ostensivamente efeitos especiais, não se usa o termo tokusatsu para definir a obra, seguindo o padrão internacional. Os filmes de efeitos especiais de produções estrangeiras, especialmente as de Hollywood, são chamadas no Japão de SFX – o termo técnico para Special Effects. Assim, o termo tokusatsu acabou sendo bastante reduzido a obras com super-heróis e monstros.


Ao longo dos anos, o gênero se consolidou como um tipo de diversão para todas as idades, com produções infanto-juvenis e outras voltadas ao público adulto. O tokusatsu representa um universo de entretenimento com seus próprios códigos e referenciais, sendo parte importante da cultura pop japonesa.

Alexandre Nagado (Com agradecimentos a Anderson Lazarin)


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::: E X T R A :::


Museu do Tokusatsu de Nagoya - Documentário da emissora japonesa NHK.


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