As celebridades que tiraram a própria vida e um terrível problema social do Japão.
No dia 14 de setembro de 2020, a atriz japonesa Sei Ashina foi encontrada morta por sua família. Ela cometera suicídio, segundo apurou a polícia. Anos atrás, ela tornou-se conhecida do fandom de tokusatsu por ter trabalhado na série Kamen Rider Hibiki (2005) e ganhou projeção internacional ao atuar no filme Paixão Proibida (Silk, 2007). A atriz tinha 36 anos e não foi divulgado se ela deixou alguma mensagem para a família. Em agosto do mesmo ano, Maria Hamasaki, que participava da versão local do reality show The Bachelor, cometeu suicídio aos 23 anos após receber muitos ataques e mensagens ofensivas de internautas. Sua morte aconteceu pouco tempo depois de outro suicídio que chocou o público, o de Hana Kimura. Em maio de 2020, a famosa praticante de luta-livre e participante do reality show The Terrace, da Netflix, se matou aos 22 anos. Também foi por não saber lidar com o cyber bullying e o assédio de haters.
Os casos citados são bastante chocantes, mas não são isolados dentro do showbiz japonês. Além de certos tipos de câncer comuns no Japão, o suicídio é uma grande causa de mortes no meio artístico.
Em 2018, Honoka Oomoto, uma idol de apenas 16 anos que integrava o grupo Enoha Girls, tirou a própria vida, aparentemente por não aguentar as pressões do mundo artístico japonês, conhecido pela forma como empresários controlam a vida de seus astros juvenis com mão de ferro. As idades entre os suicidas variam muito. Em 2011, o ator Minoru Tanaka, que foi o Capitão Shingo Sakomizu em Ultraman Mebius (2006), cometeu suicídio aos 44 anos. Os exemplos são muitos, e apenas poucos casos serão apresentados a seguir.
Cantor e compositor de sucesso, o aclamado Kazuhiko Kato resolveu encerrar a própria vida em 2009, aos 62 anos. Ele foi autor de grandes sucessos em décadas de atividade, como "Shiroi iro wa koibito no iro" ("Branco é a cor dos namorados"), que projetou no Japão a carreira da dupla ocidental Betsy and Chris, em 1970. Em 1984, escreveu a melodia de "Ai Oboteimasu ka?" ("Você se lembra do amor?"), que foi o tema romântico do animê Macross, sucesso na voz de Mari Iijima. Kazuhiko Kato deixou uma mensagem para sua família, que nunca foi revelada ao público.
Em 2007, o ator Shinsuke Ashiha, que interpretou o oficial Soga na série clássica Ultra Seven (1967) tirou a própria vida aos 67 anos. Era o ano em que seu trabalho mais famoso completava 40 anos de estreia e os fãs da franquia Ultra ficaram perplexos.
Outro ator conhecido no Brasil que trilhou esse trágico caminho foi Shougo Shiotani, o Marte da série Cybercop - Os Policiais do Futuro (1988) e que também atuou em Ultraman Tiga (1996) e Ultraman Gaia (98). Sem perspectivas para seu futuro, pulou do alto de um prédio em maio de 2002. Durante muito tempo, sonhou com um remake ou continuação de Cybercop, e chegou a contatar a Toho Films (a detentora dos direitos), que não demonstrou interesse no projeto. Ele tinha 36 anos e já estava desencantado com a carreira.
No campo do J-Rock, os fãs da banda X Japan ficaram inconsoláveis com o suicídio do guitarrista, vocalista e compositor hide. Com a carreira em alta, envolvido com diferentes projetos após a separação do X Japan (na verdade, um hiato de atividades), ele cometeu suicídio em 1998, aos 33 anos, deixando os fãs em choque. Outro ex-integrante da banda seguiria o mesmo caminho, pois o baixista TAIJI morreu em decorrência de uma tentativa de suicídio em 2011, quando tinha 45 anos.
Mas na história da cultura popular japonesa, talvez o caso mais traumático tenha sido o da jovem cantora Yukiko Okada. Com uma carreira de rápida ascensão, Yukiko Okada estreou aos 15 anos em 1984 com o single "First Date" e logo se tornou uma modelo e atriz requisitada, enquanto gravava um sucesso após o outro. Com muita simpatia e um sorriso cativante, foi uma idol muito conhecida na mídia e participou de muitos programas de TV. Sua trajetória foi curta e encerrada com uma tragédia.
Em 8 de abril de 1986, Yukiko Okada tentou suicídio cortando os pulsos. Seu empresário a encontrou sangrando e a levou ao hospital.
Com seus ferimentos tratados, no mesmo dia ela foi levada para o escritório da gravadora, onde os empresários discutiam como evitar o escândalo na mídia. Enquanto debatiam seu futuro, a menina correu para a janela do prédio e saltou para a morte.
Foi uma comoção nacional, com programas debatendo o assunto o dia inteiro, fotos do cadáver na calçada sendo reproduzidas em jornais e revistas sensacionalistas e uma perplexidade geral.
Morta, Yukiko Okada continuou dando lucros para a gravadora. Nunca se soube o motivo, mas especulou-se na época que teria tido uma grande desilusão amorosa. Não que fizesse diferença, era apenas um detalhe mórbido a mais para ser discutido. Mais de 30 anos depois, uma irmã confessou que Yukiko sofria de depressão profunda, mas a família não soube lidar com a situação.
Quando casos assim acontecem, a mídia japonesa debate bastante o assunto, mas nunca acontece nada além de mero entretenimento, um debate para passar o tempo.
Em 2015, uma reportagem da BBC apurou que no ano anterior cerca de 25 mil japoneses cometeram suicídio, quase 70 por dia. Em 2021, em plena época de pandemia, foram 20.830 suicídios. A maioria é de adultos, mas os índices de suicídios de menores de idade são perturbadores.
Em 2019, um estudo revelou que 332 jovens japoneses (incluindo crianças), entre o ensino fundamental e o ensino médio, tiraram suas próprias vidas no ano anterior. Foi um aumento de 33% em relação a 2017. Com tudo isso, o suicídio tem presença forte na cultura e na história do Japão, e é preciso olhar para o passado.
Na casta dos samurais, o seppuku era o suicídio em nome da honra, e obedecia um ritual macabro de cortar o próprio ventre antes que outro o decapitasse com uma espada. Em pleno século XX, isso foi levado a cabo pelo escritor Yukio Mishima, após um ataque de seu grupo extremista paramilitar que sonhava em restaurar a atribuição divina ao Imperador.
Em 25 de setembro de 1970, o escritor tomou como refém o comandante das Forças de Autodefesa do Japão com a ajuda de quatro seguidores. Chegou a discursar para os soldados da base que invadira sobre suas aspirações, mas acabou cometendo seppuku. Mishima morreu aos 45 anos.
A história japonesa também registra o caso dos pilotos kamikaze, que na Segunda Guerra Mundial partiam com combustível somente para ida e com a missão de jogar seus aviões contra navios inimigos. Acabar com a própria vida, no imaginário japonês, tem um caráter redentor e não está associada ao conceito cristão de pecado.
Entendendo a vida como uma dádiva de Deus e algo sagrado que somente o Criador pode tirar, os japoneses cristãos são minoria e o que predomina na sociedade é a visão tradicional envolvendo a morte como resgate de honra e dignidade. Por esse caminho sem volta foram muitos pais de família que se viram desempregados e jovens sem perspectiva profissional ou incapazes de lidar com grandes decepções.
Fuga desesperada dos problemas também é outra causa, na verdade a maior delas. Um grande problema escolar no Japão é o iijime, que é como é chamado o bullying no Japão. Quando esse tipo de assunto vem à tona no ocidente, é comum que as discussões se dividam entre os que se preocupam com o sofrimento das vítimas e os que dizem que reclamar de bullying é fraqueza ou, como se diz, apenas "mimimi". Porém, o iijime vai muito além de corriqueiras piadas e apelidos ofensivos.
Buscando sempre os alunos mais quietos e introvertidos como vítimas, os bullies japoneses são violentos, praticam espancamentos, chegam a enfiar a cara da criança ou adolescente em vasos sanitários e fazem um monte de crueldades inimagináveis para quem só conhece a corriqueira molecagem de apelidos e pegadinhas. Muitos também obrigam a vítima a roubar dinheiro dos pais, para financiar gastos do bando com bebidas, guloseimas e divertimentos. É algo impensável, ainda mais quando se sabe que muitos seguirão carreiras sem nunca serem confrontados com seu passado.
Encurralados e com um sistema escolar que é acostumado a ignorar apelos e tratar iijime como um tabu, milhares de jovens japoneses já se suicidaram por não suportar a pressão. Uma sociedade com tantos pais que não percebem ou não conseguem fazer nada pelos filhos em situação desesperadora é algo a ser refletido.
Geralmente, nada acontece com os bullies, que vão crescer e se inserir no mercado de trabalho normalmente. Neste blog, temos a resenha do mangá Vitamin, da autora Keiko Suenobu, que mostra a brutalidade do iijime. A própria questão do suicídio já foi abordada muitas vezes na literatura, mangá, animê e em muitos filmes japoneses. Em um dos mais chocantes, Suicide Club (2001), a macabra cena de abertura mostra um suicídio coletivo de várias adolescentes em uma linha de metrô.
Com tudo isso, fica bem claro que a sociedade japonesa, que ainda tem em seu imaginário o suicídio pela honra ou pelo heroísmo, não aprendeu a tratar a saúde mental como algo sério.
Cada país tem suas belezas, peculiaridades e problemas, e o Japão não é exceção. Há falta de profissionais de saúde mental por lá, há um sentimento de vergonha em se falar sobre problemas pessoais, e há uma cobrança grande da sociedade por resultados. Pouco diálogo familiar e as redes sociais só estão potencializando os problemas, que voltam ao debate público somente quando uma tragédia comove o país.
Logo o Japão, um país que sofreu a devastação da guerra, que tem um histórico de desastres naturais e tem um povo organizado e resiliente; os altos índices de suicídio, que nada têm a ver com honra e altruísmo, e sim com fuga, podem revelar algo triste. Que uma cultura que valoriza muito aparências e aceitação social e que prospera economicamente sem fincar raízes em valores morais, éticos e espirituais está criando pessoas vulneráveis e emocionalmente frágeis demais. O alerta serve para todos nós.
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