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Quadrinhos inspirados em Tokusatsu

Um papo rápido sobre personagens de HQ nacional inspirados em heróis japoneses.

Timerman, Ultraboy e S.T.A.R. - Inspirados em tokusatsu.

Muitos anos atrás, uma garota veio mostrar-me seus desenhos após saber que eu lecionava e trabalhava com quadrinhos. Eram desenhos feitos em folhas de caderno, com alguns Cavaleiros do Zodíaco e também personagens que ela havia criado, todos com poses bem simples. "Olha, eu faço anime" foi o que ela me disse.


Os rascunhos não estavam ruins, ela queria estudar desenho comigo (coisa que fez durante um tempo) e a primeira lição dela, ainda na primeira conversa, foi descobrir que o que ela havia mostrado eram apenas esboços de ilustrações. Não estavam nem na categoria mangá, que é uma história em quadrinhos de estilo japonês em sua acepção moderna, muito menos animê, que é o desenho animado japonês. Ambos possuem uma série de códigos e padrões estéticos e narrativos que vêm do Japão, sendo escolas de artes visuais bastante reconhecidas.


Mangá e animê são análogos a mídias, ou veículos de comunicação. No caso do mangá, a palavra serve tanto para designar as histórias em quadrinhos (ou arte sequencial, para ser mais elegante) feitas nesse estilo, quanto para as revistas que as publicam. E um animê é um desenho animado, o que envolve toda uma estrutura própria para ser produzido e veiculado. Assim, um desenho solto não é um mangá, e muito menos um animê, pelos motivos já explicados.


Cada uma dessas mídias carrega uma série de códigos visuais, estéticos e narrativos que, mesmo com muitas variações, trazem elementos em comum. Com isso, é possível termos mangá e animê feitos em outros países além do Japão. Desde que, é claro, sigam os códigos universalmente identificáveis com cada mídia.


No caso do tokusatsu, existe para muita gente uma confusão semelhante à que foi narrada lá no começo deste artigo. O tokusatsu surgiu mesmo como a palavra japonesa que define "efeitos especiais", e evoluiu para definir especificamente não um conjunto de técnicas, mas sim filmes e séries que utilizam-se ostensivamente de efeitos especiais para contar uma história.


Após décadas de produção com franquias bem estabelecidas, o gênero de super-heróis se tornou predominante na definição popular de tokusatsu. E, com isso, uma série de códigos estéticos, visuais e narrativos foram se firmando no imaginário dos fãs que viveram a invasão de séries tokusatsu que marcou o final da década de 1980 a partir da extinta TV Manchete.

Vários dos personagens que agitaram a Geração Manchete.

No Brasil, para a chamada "Geração Manchete" (basicamente, entre o final dos anos 80 e a primeira metade dos anos 90), que cresceu vendo Jaspion, Changeman, Flashman, Jiraiya e tantos outros, tokusatsu remete especificamente a séries com a estética anos 80 (e além) da produtora Toei Company.


São super-heróis com poses de transformação, que lutam (geralmente) contra monstros de algum grupo maligno que deseja dominar a humanidade, sempre utilizando saltos acrobáticos e gritando o nome dos golpes especiais que aplicam. Esse conjunto de elementos se firmou na mente de grande parte do fandom brasileiro, que gosta das linhagens Kamen Rider, Metal Hero e Super Sentai, e normalmente têm pouco interesse nas franquias mais antigas, como Godzilla e Ultraman.


Toda a estética visual e narrativa das séries de heróis tokusatsu definem um estilo, mas não abarcam todo o sentido do tokusatsu. E também é importante não perder de vista que um tokusatsu sempre será, necessariamente, uma filmagem live-action (ou seja, com atores reais) enriquecida com efeitos especiais.


Uma história em quadrinhos que tenha elementos estéticos comuns do tokusatsu (herói de armadura, monstros, golpes especiais) sempre será uma história em quadrinhos. Uma HQ pode ter inspiração em animê ou tokusatsu, pode ser uma homenagem ou paródia, mas será sempre uma história em quadrinhos. Da mesma forma, um animê inspirado em tokusatsu, como SSSS.Gridman, será sempre um animê, não um tokusatsu.

Robô Gigante, da ed. Grafipar - Selo Bico de Pena

Em 1982, o gibi brasileiro Robô Gigante trouxe uma homenagem a heróis de tokusatsu e animê, mas não era nem um e nem outro. Era, sim, um mangá brasileiro dos bons, produzido por Watson Portela e Cláudio Seto (sob o pseudônimo Selene Tobias), num gibi que ainda trazia o Ultraboy de Franco de Rosa. Esse material, especialmente o Ultraboy, homenageia o tokusatsu e utiliza elementos visuais e narrativos do mangá, mas isso não é obrigatório. Uma história, com um estilo mais realista e alinhado aos comics, também pode igualmente pegar elementos do tokusatsu para compor sua estrutura.

Assim, os gibis de Timerman, Fighting Pose, Megasonicos e S.T.A.R. são quadrinhos nacionais inspirados em tokusatsu, mas nenhum deles é um "tokusatsu brasileiro", a menos que sejam vertidos para uma versão live-action com efeitos especiais. Proeza que, aliás, Timerman conseguiu, com um episódio-piloto disponível no YouTube desde 2021. Nesse aspecto, tentou seguir o caminho de Insector Sun, seriado brasileiro independente filmado com limitados recursos em 2000.


Timerman, que era inicialmente um personagem de quadrinhos inspirado na estética tokusatsu, acabou se tornando um de fato. Outro exemplo, esse já criado para mídia audiovisual, é Cruzer, personagem bolado pelo cantor e compositor Ricardo Cruz para o vídeo de sua canção "On The Rocks" (2015), que funciona como um curta-metragem de homenagem aos super-heróis de tokusatsu.

Cruzer: Herói do curta "On The Rocks"

E finalmente, um animê em CGI de personagem de tokusatsu, como ULTRAMAN ou o monstro Gamera, por exemplo, será sempre uma animação, não um tokusatsu propriamente dito.


Ao longo do tempo, diversos quadrinhos brasileiros com estética inspirada em tokusatsu foram em algum momento chamados de "tokusatsu brasileiro", o que é uma clara confusão entre formato de mídia e sua estética. O conteúdo de um trabalho de uma mídia específica (uma HQ, por exemplo) pode ter uma estética oriunda de outra mídia (um animê, um tokusatsu), mas isso não faz desse conteúdo um representante da mídia que o inspirou.


Os fãs, artistas e criadores de conteúdo precisam definir corretamente as obras, até para que a divulgação delas seja mais consistente e compreendida.


::: E X T R A :::


TIMERMAN: Graças ao episódio-piloto, um verdadeiro tokusatsu brasileiro, não apenas um herói inspirado.



 

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