Parecia mais uma imitação dos Ultras, mas o Rei de Ferro foi uma das séries mais originais de seu tempo. Saiba o porquê.
O Godzilla original, em 1954, foi sucedido por continuações e muitos outros monstros no cinema japonês. Foi a época do "Kaiju Boom" (ou "Explosão dos Monstros") que marcaria a cultura pop japonesa para sempre. Com a popularização da TV na década de 1960, os monstros continuariam seu reinado na tela pequena, com a geração de ouro da Tsuburaya Pro, que trouxe as séries Ultra Q (1966), Ultraman (66) e Ultra Seven (67). A Toei Company, com seu Robô Gigante, também marcava posição, mas outros estúdios foram também explorando o filão.
Em 1971, as séries O Regresso de Ultraman e Spectreman deram origem ao segundo "Kaiju Boom", que foi atropelado pelo sucesso do primeiro Kamen Rider, um herói de tamanho humano. O fenômeno que gerou muitas séries de heróis de tamanho humano marcou o "Henshin Boom", a explosão dos heróis que tinham uma pose especial de transformação (ou "henshin" em japonês). Heróis de tamanho humano, como o Kamen Rider, passaram a ser a bola da vez na mídia, mas os gigantes ainda tinham público.
A década de 1970 viveu uma grande invasão de super-heróis que consagraram o gênero tokusatsu (efeitos especiais) na TV, com vários estúdios lançando seus heróis, gigantes ou não, todos buscando um espaço na atenção das crianças e adolescentes.
Um desses heróis foi Iron King, um curioso projeto do estúdio Senkosha para a emissora TBS e que merece uma análise cuidadosa. Em um primeiro olhar, aparenta ser mais um dos muitos clones de Ultraman e Ultra Seven, mas o conceito e estrutura da série eram bem diferentes de tudo que havia sido feito anteriormente nessa área.
Os agentes secretos Gentaro Shizuka e Goro Kirishima
A história começa com o Clã Shiranui se reunindo para planejar o início de sua vingança de 2 mil anos. No passado, foram vencidos pelo Clã Yamato, que eventualmente daria origem ao povo japonês. Para cumprir seus planos de tomar o país para si, eles possuem poderosos robôs gigantes, mas o lider Taro Shiranui alerta de que a Força de Segurança Nacional do Japão está ciente de seus planos e enviou seu melhor agente secreto para destruí-los. Seu nome é Gentaro Shizuka e ele é temido por sua habilidade e astúcia.
Geralmente vestido de cowboy, Gentaro (leia "Guentarô") carrega consigo vários explosivos e, principalmente, seu artefato Iron Belt, que se transforma em corda de escalada, espada ou chicote. Com ele, o agente é capaz de enfrentar até monstros e robôs gigantes, conseguindo derrotar vários deles. Mas o primeiro episódio, que faz as apresentações, não é um primor.
Shoji Ishibashi é Gentaro Shizuka, o agente secreto. Ao invés de começar mostrando uma ameaça digna de temor com algum ataque, a história começa com o líder do clã falando de seus planos e já anunciando Gentaro como o herói que devem temer e destruir.
Logo, encontram Gentaro por acaso e, antes de se mostrarem uma ameaça, já levam a primeira surra. O agente secreto ainda destroi o primeiro gigante de metal, Vacumira, que estava dando muito trabalho ao Iron King. Durante essa primeira missão, a dupla conhece a andarilha Yukiko Takamura, que os acompanha no início da jornada contra o Clã Shiranui.
O roteiro do primeiro episódio não chega a empolgar, mas melhora muito ao longo da série, conforme as situações vão se desenvolvendo e a química entre os personagens começa a funcionar.
Gentaro é um jovem alegre e sorridente, mas também um lutador implacável, às vezes bastante frio e calculista para conseguir seus objetivos. Ele é o personagem central da trama, não o herói gigante que dá nome à série.
A série gira em torno de Gentaro Shizuka, o agente secreto que consegue derrubar monstros gigantes, por quem as garotas se desmancham de paixão e que sempre está pronto para a ação. Algumas vezes aparenta ser insensível, chegando a colocar inocentes em perigo para conseguir atrair os inimigos. Mas não é que ele não se importe com a vida humana. É que, em vários momentos, ele é tão auto-confiante em suas habilidades que até extrapola os limites da cautela e do bom senso. E ainda assim, possui uma simpatia e carisma autênticos.
Sempre a seu lado, há seu auxiliar, Goro Kirishima, que é um tanto desajeitado, está longe de ser um grande lutador e se veste de modo curioso, geralmente com roupa de alpinista e está sempre com um chapéu vermelho. Gentaro acha um mistério terem enviado para ele um ajudante meio desastrado, mas eles logo ficam muito amigos, como dois irmãos. E Goro tem um grande segredo por trás de sua convocação para auxiliar e proteger Gentaro.
Goro era um alpinista que foi atingido por um raio e foi salvo da morte pelo cientista Dr. Tsushima, que o transformou em um ciborgue. Ele ganhou o poder de se transformar no gigante Iron King.
Ele ativa a transformação segurando as abas de seu chapéu e gritando "Iron Shock!". Como Iron King, ele tem 45 metros de altura e pesa 550 mil toneladas (Que exagero!). Seus golpes mais poderosos são o Iron Kick, o Iron Fire e o Iron Flash. O herói também era capaz de voar e tinha enorme resistência e força bruta, mas também tinha um ponto fraco bem marcante.
A fraqueza do gigante é a desidratação. Ele perde água rapidamente e, quando sua energia se esgota, ele volta à forma humana. Por conta da necessidade de hidratação constante, Goro está sempre com sede e bebe quantidades absurdas de água. Mesmo vendo isso e sabendo da fraqueza de Iron King, Gentaro ingenuamente não percebia que Goro e o gigante avermelhado eram a mesma pessoa. Afinal, ele não era tão brilhante assim, pois só vai ligar os pontos no final da série, sem nunca ter visto Goro se transformar.
O Clã Shiranui é derrotado no episódio 10, pouco antes de se iniciarem os ataques do Partido de Oposição Independente, um grupo terrorista disposto a derrubar o governo japonês e tomar seu lugar. E no capítulo 18, a nova ameaça a ser enfrentada por Gentaro e Goro passa a ser um grupo de invasores espaciais, os Titanians.
A série é composta por três sagas de 8 a 10 episódios cada, com os heróis enfrentando diferentes grupos malignos. Esses arcos narrativos, que iam direto ao ponto, deram uma grande dinâmica às histórias e foram outro diferencial de Iron King.
Nos bastidores, muitos talentos
A criação e roteiro foram de Mamoru Sasaki (1936~2006), um dos escritores das séries Ultra originais e que teve uma carreira prolífica, tendo colaborado com os renomados diretores Nagisa Oshima e Akio Jissouji. Seu projeto foi vagamente inspirado em uma série da Senkosha intitulada Onmitsu Kenshi ~ The Samurai (1962), que mostrava uma dupla de agentes especiais enfrentando diversas ameaças para proteger a nação.
Com a criatividade de Mamoru Sasaki e uma equipe de produção altamente competente, o público ficou conhecendo um seriado que apresentou inovações e tentou oferecer uma narrativa diferente do que estava sendo feito. Havia violência, um pouco de humor e muito drama, com várias mortes trágicas, mas no geral as situações eram suavizadas, pois era uma atração da hora do jantar (19h00) de domingo.
Em um episódio, há um diálogo interessante entre Gentaro e a namorada de um homem que havia se unido ao Partido de Oposição Independente. Ela diz que Gentaro lutava apenas seguindo ordens, mas seu amado lutava em nome de suas crenças. O diálogo soa assustadoramente real para o mundo de hoje, e foi escrito meio século atrás.
Na parte técnica, os efeitos especiais seguiam os padrões de qualidade da época, com uma produção bem razoável. Alguns de seus responsáveis, inclusive, vieram da Tsuburaya Pro.
Mas o que tornou a série especial foi a ousadia de mudança de foco, com um herói gigante que raramente salvava a situação e com o agente Gentaro, um humano sem um traje ou poder especial fazendo a maior parte do trabalho.
Era comum ver Gentaro salvando a pessoa que deviam proteger e depois destruindo tanto os inimigos de tamanho humano quanto os monstros gigantes. E ainda assim, Goro é um personagem simpático, enquanto Iron King se mostrou um super-herói falível, sem perder a aura de lutador poderoso. A série foi um grande desafio para o roteirista Mamoru Sasaki, que assinou todos os episódios, inclusive tendo que reescrever alguns por problemas de percurso.
Um acidente de filmagem fez mudar os planos. A atriz que interpretava a Yukiko Takamura, Chieko Moriyama, sofreu queimaduras durante uma gravação. O susto e a constatação de que não havia normas de segurança para proteger os atores em cenas perigosas a fez abandonar o trabalho. A personagem acabou eliminada da trama no episódio 6 e Mamoru Sasaki teve que reescrever alguns episódios às pressas.
Originalmente, seria bastante explorado o dilema sentimental de Yukiko, que era descendente do clã Shiranui e amava Gentaro. Uma estrela em ascensão, a atriz Chieko Moriyama continuou sua carreira de sucesso, longe de monstros e super-heróis. E falando em garotas que caem de amores por Gentaro, quase todas que apareciam na série se apaixonavam pelo herói e algumas até ganharam um rápido beijo na boca (isso numa série dos anos 70), mas quase todas tinham um destino trágico.
O elenco teve alguns convidados ilustres para os fãs de tokusatsu, como Mitsuko Hoshi (ep. 8), que foi a heroína Yuko Minami de Ultraman Ace. Também participou o ator Kou Mitsue (eps. 12 e 13), que foi o oficial Ueno, em O Regresso de Ultraman. E emoldurando os esforços de uma produção cheia de boas ideias e artistas talentosos, havia a trilha sonora, um show à parte. Na parte musical, brilhava o trabalho de Shunsuke Kikuchi (1931~2021), um dos maiores compositores de trilhas sonoras do Japão. Ele assinou as trilhas para as primeiras séries Kamen Rider, o filme Kamen Rider ZX, para Jumborg Ace, Henshin Ninja Arashi e várias outras produções de tokusatsu. Também vale ressaltar que ele compôs trilhas sonoras para os animês Tiger Mask, Getter Robo, Gaiking, Grendizer, Dr. Slump, Dragon Ball, Dragon Ball Z, Doraemon e as cultuadas séries policiais G-Men´75 e Key Hunter. Mas, independente dos talentos envolvidos, foi a proposta da série que fez de Iron King um clássico de seu tempo. Para entender um pouco sua estrutura diferenciada e o êxito criativo que alcançou, é preciso ter em mente que os heróis foram interpretados não por iniciantes (que é o mais comum), mas por dois astros - um deles um ídolo juvenil da época - e isso fez muita diferença.
O carisma dos heróis Shoji Ishibashi, o Gentaro, nasceu em 12 de novembro de 1948 e começou a trabalhar profissionalmente como músico e ator em 1969, aos 21 anos. Em 1970, atuou em uma adaptação do lendário mangá Ashita no Joe, no papel central do boxeador Joe Yabuki. Em 1971, participou de dois episódios de O Regresso de Ultraman, no arco do monstro Terochilus (eps. 16 e 17) e atuou em muitas produções para cinema e TV, com estilos variados. Grande astro dos anos 70, teve êxito profissional tanto como ator quanto como cantor. Em Iron King, vale frisar, demonstrou grande preparo físico, protagonizando ele mesmo boas cenas de ação e combate. Seu maior êxito musical veio com "Yoake no teishaba" (ou "Estação Tristeza"), lançado em janeiro de 1972 e que vendeu mais de 490 mil cópias. O trabalho foi um dos grandes sucessos daquele ano, o mesmo em que estrelou Iron King. A canção foi tão popular que lhe valeu uma apresentação no disputado festival Koohaku Utagassen, realizado sempre na véspera de ano-novo com os cantores de maior sucesso de cada ano. Ele teve uma carreira de prestígio, tanto como ator quanto como cantor. Praticamente aposentado, está meio afastado da mídia, mas eventualmente vai a programas de TV interpretar seu maior sucesso musical ou comentar seus trabalhos como ator.
Em entrevista ao pesquisador americano August Ragone em 2001, ele contou que o traje de caubói foi ideia sua, e que ainda guarda o figurino da época. E também contou que sua frustração foi não ter sido o herói que se transformava, apesar de ser o personagem principal da trama. A honra e desafio de ser o herói cômico Goro e alter ego de Iron King foi do ator Mitsuo Hamada. Nascido em primeiro de outubro de 1948 e já com experiência em cinema e TV desde muito jovem, foi a aposta certeira do estúdio para atuar ao lado de Shoji Ishibashi e não ser ofuscado. Seu personagem Goro é brincalhão, meio desajeitado e muito sentimental, sendo algumas vezes a consciência do impetuoso Gentaro. Muitas vezes, Gentaro e Goro pareciam dois garotos se divertindo, enquanto outras, uma dupla de profissionais sérios e de grande sintonia. A química entre os atores foi uma das fórmulas de sucesso da produção. Outro acerto foi mostrar diferentes grupos inimigos ameaçando o Japão, um após o outro, o que na verdade deu três batalhas finais ao longo da série.
A marca do Rei de Ferro Iron King foi exibido no canal TBS aos domingos, às 19 horas, e estreou em oito de outubro de 1972, com 12,7% de audiência, o que foi considerado ótimo para um personagem estreante. No mesmo mês, seus maiores concorrentes, Ultraman Ace e Kamen Rider (que haviam estreado bem antes), tinham suas audiências em patamares acima de 20%. Com muito esforço, Iron King chegaria a 16,1%, mas depois caiu bastante. Recuperou-se um pouco no final, com 7.6% em seu episódio derradeiro, exibido em 8 de abril de 1973. A série, que tinha seu público fiel, terminou com 26 capítulos, pois a produtora queria um outro tipo de série para concorrer com o grande sucesso daquela época, o animê Mazinger Z, criado por Go Nagai. O sucessor de Iron King produzido pela Senkosha acabou sendo o robô gigante Red Baron, lançado em 1973. O escritor Mamoru Sasaki ainda tinha planos para mais um arco de histórias, mas conseguiu concluir bem a saga dos Titanians e entregou um desfecho satisfatório para a série. Lembrado apenas pelos fãs mais hardcore (em parte por não fazer parte de uma franquia), Iron King teve o lançamento da saga completa em DVD legendado nos EUA em 2007, pela BCI Eclipse. No Japão, está disponível tanto em DVD quanto em Blu-ray pelo selo Huming, da distribuidora Victor Entertainment. Em 2011, Iron King foi remasterizado e faz parte do catálogo da Digital Ultra Series, uma divisão da Tsuburaya Pro. Poderá ele ganhar uma nova versão no futuro? Seria muito interessante, mas exigiria bastante arrojo e coragem.
Hoje em dia, seria praticamente impensável criar uma produção infanto-juvenil em que o herói-título e grande chamariz para o merchandising de brinquedos fosse o coadjuvante de sua própria série. E um eventual remake só faria sentido se preservasse suas características únicas. Sobre essa possibilidade, os fãs puderam sonhar durante um tempo. Em novembro de 2017, estreou no Japão o filme Brave Storm, que juntou novas versões de Silver Kamen e Red Baron, heróis clássicos da Senkosha. Nesse flme, há uma cena pós-créditos em que aparece uma sombra que parecia ser de Iron King. Porém, nada foi confirmado e o filme não teve continuação, frustrando os fãs. O filme foi lançado no Brasil pela Sato Company em 2018, mas não chamou muito a atenção, pelo fato de ser um reboot de heróis pouco conhecidos no fandom brasileiro de tokusatsu. Com um formato inusitado e ousado, o velho Iron King deixou sua marca no universo dos heróis japoneses. Revisto hoje, a ingenuidade das histórias e situações, bem como a produção, parecem bem datadas. Mas, uma vez que se entre no clima da série, suas histórias, personagens e atmosfera geral soam, ainda hoje, formidáveis.
- Agradecimentos especiais ao leitor Ricardo Cerdeira.
::: FICHA TÉCNICA :::
IRON KING ~ アイアンキング
Estreia no Japão: 08/10/1972 (TBS)
Total: 26 episódios
EQUIPE DE PRODUÇÃO Criação e roteiro: Mamoru Sasaki Trilha sonora: Shunsuke Kikuchi Desenho de produção: Noriyoshi Ikeya e Yoshiko Sakurai Efeitos especiais: Koichi Takano, Kiyoshi Suzuki, Masataka Yamamoto e Toru Sotoyama Coreografia (direção de ação): Eiji Takakura (Wakakoma Productions) Direção: Shozo Tamura, Noriyaki Yuasa, Hiromu Edagawa e Toru Sotoyama Produção: Norio Kobayashi (Senkosha) e Yoji Hashimoto (TBS) Realização: Senkosha / TBS ELENCO Gentaro Shizuka: Shoji Ishibashi Goro Kirishima: Mitsuo Hamada Yukiko Takamura: Chieko Moriyama Noriko Fujimori: Chiaki Ukiyo Dr. Tsushima: Hajime Izu Taro Shiranui: Shinzo Hotta Dublês e suit actors: Wakakoma Adventure Group
::: E X T R A S :::
1) "Iron King" Letra: Mamoru Sasaki / Melodia: Shunsuke Kikuchi Intérprete: Masato Shimon
- Versão completa do tema de abertura.
2) "Yoake no teishaba" (夜明けの停車場 ou "Estação da tristeza") Letra: Haruki Tanko / Melodia: Gendai Kanô Intérprete: Shoji Ishibashi - O maior sucesso da carreira de Shoji Ishibashi, lançado em 1972. A canção é considerada um dos grandes clássicos daquela época.
Dica: Iron King completo (sem tradução) no YouTube. Não é canal oficial, e pode ser tirado do ar a qualquer momento.
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