A influente carreira de um visionário do tokusatsu.
Poucas pessoas sabem o que faz um produtor em um filme ou programa de TV. A função tem variáveis que dependem do profissional e das empresas envolvidas mas, em geral, um produtor age como um coordenador geral, um gestor de produção. Ele estará envolvido com a escolha da equipe criativa (os responsáveis por roteiro, direção, trilha sonora, filmagens, etc) e também com o elenco. Muitos produtores também criam personagens e estruturam séries inteiras, ou dão orientações e diretrizes sobre o que querem ver colocado em prática, mudando rumos durante a realização da obra (no caso da TV) para alavancar a audiência. O produtor também é a ponte entre a equipe criativa e os investidores e proprietários do estúdio.
No caso dos heróis japoneses, os produtores também precisam, mais do que suas contrapartes ocidentais, equacionar os roteiros com a necessidade de apresentar veículos, personagens e acessórios que irão virar brinquedos.
Há muitos casos em que a escolha dos atores corretos lança uma série ao sucesso ou ao fracasso. Cabe ao produtor lidar com o orçamento, adequar a necessidade de filmagens, locações e efeitos especiais, discutindo detalhes de produção com diretores e roteiristas. Ele também deve nortear o trabalho, aprovando e sugerindo alterações quando preciso. Em filmes para cinema, é normal que o mérito maior seja atribuído ao diretor. Mas com uma série ou programa de TV, por onde muitas vezes passam diferentes diretores e escritores, quem coordena tudo são os produtores. Assim, ter um bom produtor é decisivo para o sucesso ou fracasso de um seriado.
É com esse trabalho gerencial que Toru Hirayama marcou seu nome no mundo da cultura pop japonesa, sendo um dos mais importantes nomes envolvidos com a indústria do tokusatsu.
Nascido no Japão em 19 de março de 1929, Toru começou a trabalhar na Toei Company em 1954, em dramas de época com samurais, os famosos filmes chanbara. Na década de 1960, chegou a fazer alguns trabalhos como diretor, mas seu talento mesmo era ser produtor, fomentando ideias, organizando equipes e proporcionando entretenimento a gerações inteiras.
Já em 1967, coordenou o grande sucesso Giant Robo (ou Robô Gigante, como foi lançado no Brasil), baseado em mangá de Mitsuteru Yokoyama (1934~2008). Originalmente, o Robô venceria o Imperador Guilhotina e terminaria seus dias em um parque de diversões. Hirayama achou que a série merecia um final mais digno, com o sacrifício do gigante metálico no dramático episódio final. Ele queria emocionar sua audiência com personagens capazes de atos nobres e grandiosos. Hirayama chorou emocionado ao ver o resultado final.
O advento de Ultraman (1966) gerou inúmeras imitações, e quase todo herói tinha que ser um gigante que lutava contra monstros, como Spectreman, Mirror Man, Iron King, Fire Man, Zone Fighter e tantos outros.
Com o primeiro Kamen Rider (1971), isso mudou e passou a ser novamente popular a figura de um herói de tamanho humano. Foi de Hirayama o projeto para criar um novo tipo de personagem mascarado, um motoqueiro superpoderoso que enfrentaria monstros de tamanho humano, eliminando os custos de maquetes que, por mais simples que fossem, tomavam muito tempo e orçamento. De sua infância, vivendo em meio aos escombros de sua cidade devastada na Segunda Guerra Mundial, ele se recordava da figura de um motoqueiro que era mensageiro do exército. Ele sempre parava para falar com as crianças que vinham vê-lo de perto. Sua figura imponente causou uma grande impressão, e Hirayama queria um herói motoqueiro, que fosse um símbolo de esperança para tempos difíceis.
O projeto passou por várias mãos até que Shotaro Ishinomori (1928~1998), na época famoso por seu Cyborg 009, entrasse em cena. Inicialmente, seria usado seu herói Skull Man, mas o conceito geral foi considerado muito assustador para crianças. Então, chegou a uma forma mais agradável, com um herói baseado em gafanhoto e com a força de um ciborgue. Um guerreiro gerado por uma ciência maligna, mas que se voltou contra seus criadores para lutar pela liberdade da humanidade.
Em 3 de abril de 1971, estreava o Kamen Rider, um dos mais icônicos personagens japoneses. A produção do mangá do Kamen Rider foi quase simultânea à da série de TV, sendo resultado de uma parceria entre a Toei e a Ishimori Pro.
Depois, com sucessivas produções estabelecendo a linhagem dos Kamen Riders, o trabalho criativo de Hirayama era maior que o de Ishinomori. Muito ocupado com seus mangás, Ishinomori pouco se envolveu em algumas séries, geralmente contribuindo com linhas gerais de enredo e esboços básicos. O trabalho criativo mais expressivo na composição da série acabava sendo feito por designers e roteristas contratados pela Toei, sempre coordenados por Hirayama. Consta, inclusive, que Kamen Rider Stronger é muito mais uma criação de Hirayama do que de Ishinomori.
É importante frisar que, tanto quanto a franquia Ultraman, os Kamen Riders são criações corporativas e colaborativas, com autores que cuidam de diferentes partes da criação. A diferença é que Kamen Rider tem sua história e visual originais concebidos por um dos maiores autores de mangá em todos os tempos, e isso lhe confere mais credibilidade e uma aura cult. Mas quem deu o pontapé inicial, fez tudo funcionar e estabeleceu a marca como uma franquia de enorme sucesso foi Toru Hirayama, que permaneceu à frente dos Riders até 1984, com o filme para TV do Kamen Rider ZX (leia "Z-Cross").
Toru Hirayama também foi o produtor responsável por muitos outros super-heróis de Ishinomori, como Kikaider, Inazuman, Zubat, Arashi, Akumaizer 3 e outros. Vários desses personagens surgiram de conversas entre Hirayama e Ishinomori. Este último podia vir com enredos e visuais criativos e empolgantes, mas diversas vezes isso aconteceu após conversas e pedidos de Hirayama, sempre interessado em criar novas séries para levar sonho, imaginação e bons exemplos de heroísmo e nobreza para as crianças japonesas.
Na década de 1970, começou a aparecer nos créditos de seriados da Toei o nome Saburo Yatsude (também conhecido como Saburo Hatte) como criador de super-heróis. O nome é um pseudônimo para as equipes de criação rotativas da Toei e foi originalmente usado por Toru Hirayama quando este escreveu roteiros para seriados de samurai para a empresa Toushin TV.
Nos primeiros anos em que esse nome apareceu, Toru Hirayama era a grande força motriz liderando os profissionais de criação da Toei. Ou seja, por um tempo, ele foi Saburo Yatsude, e após sua saída essa identidade ficou diluída em diferentes equipes de criação.
Não por acaso, o pesquisador americano August Ragone já se referiu a ele como coautor de Kamen Rider e de cada série que produziu. Não estava errado pois, se Ishinomori criou o visual e enredo básico de Kamen Rider, foi Hirayama quem deu as diretrizes iniciais e fez os personagens funcionarem como série de TV semanal, além de ter acrescentado muitos elementos pessoais. A partir de um mesmo ponto de partida, o mangá e a série de TV de um mesmo personagem poderiam seguir rumos bem diferentes em vários aspectos.
Tão célebre e icônico quanto o Rider original, foi o grupo Himitsu Sentai Gorenger, ou "Esquadrão Secreto Gorenger", lançado em 1975 com um nome que foi provavelmente um erro de grafia em inglês (que deveria ter sido "Goranger"). A equipe de heróis fez um enorme sucesso ao mostrar uma garota que tinha tanto destaque quanto os outros guerreiros. Em seguida, Ishinomori e Hirayama repetiram a colaboração com um novo esquadrão, o JAKQ (leia "Jakkar"), em 1977.
Em 1978, Hirayama foi um dos responsáveis pela curiosa adaptação (ou reinvenção) do Homem-Aranha da Marvel Comics na forma de um seriado tokusatsu. O herói foi recriado como Takuya Yamashiro, que lutava contra monstros como Spider Man, usando seu poder alienígena. Hirayama trabalhou em toda a fase de elaboração e pré-produção, mas foi substituído por Susumu Yoshikawa (1925~2020) antes das filmagens terem início.
O nome de Hirayama foi retirado dos créditos, e segundo revelou o compositor Chumei Watanabe (1925~2022), a letra do tema de abertura de Spider Man foi escrito por Hirayama, apesar de apenas aparecer a assinatura corporativa de Saburo Yatsude. E o maior destaque da série foi para um recurso exclusivo do Aranha da série japonesa.
O robô gigante do aracnídeo, chamado de Leopardon, foi projetado por Katsushi Murakami e fez tanto sucesso que acabou impulsionando novamente o tokusatsu no gosto do público. Provavelmente o robô foi uma imposição da patrocinadora Bandai, mas isso é apenas especulação.
Graças a esse robô, a Toei resolveu criar um grupo que também utilizasse um robô gigante de batalha. Nascia Battle Fever J (1979), que originalmente seria mais uma parceria com a Marvel que acabou sendo alterada e pertencendo somente à Toei. Hirayama também esteve envolvido nos estágios iniciais de produção, mas novamente foi substituído por Susumu Yoshikawa, mais Itaru Orita. Nascia o Super Sentai (ou "Super Esquadrões"), sucesso até hoje e que deu origem à franquia americana Power Rangers.
Posteriormente, a Toei reconheceu a importância da equipe original Gorenger e sua sucessora JAKQ e incluiu essas criações de Ishinomori (com Hirayama produzindo) como sendo parte da franquia Super Sentai. Voltando a Hirayama, já dá pra perceber como o trabalho dele ajudou a moldar os heróis da Toei Company, criando ramificações intermináveis na cultura pop japonesa e mundial.
Com um gosto pelo humor e pelo trash, ele também ajudou a estabelecer o gênero Fushigi Comedy ("Comédias Maravilhosas"), com histórias engraçadas para a garotada, bem longe dos heróis dramáticos que ajudou a desenvolver. Ele se aposentou na Toei em 1989, tendo produzido pouca coisa depois disso. Franquia cujos personagens também foram desenvolvidos por Shotaro Ishinomori, as Fushigi Comedy tiveram apenas uma série exibida no Brasil, no caso a Patrine (Poitrine, de 1990). Ishinomori faleceu em 1998, e em 1999 saiu a última série tokusatsu baseada em uma criação sua. Era Voice Lugger, espécie de Sentai em que todos os heróis foram vividos por cantores e atores vocais, com o lendário Ichiro Mizuki (1948~2022) à frente. Hirayama foi o diretor-geral nessa produção dedicada a Ishinomori.
Em 2000, um de seus últimos trabalhos foi a minissérie para TV intitulada Shinryaku Bishojo Miri (ou "Invasora Graciosa Miri"), com 13 episódios de 10 minutos cada. A premissa é que Miri, apesar de protagonista, é uma vilã charmosa e desastrada, que enfrenta diferentes super-heróis ao longo dos episódios. Hirayama foi o diretor-geral nessa produção quase amadora que ainda assim teve uma sequência em 2003. Ele parecia estar tentando reencontrar uma atmosfera mais criativa e ingênua como no passado, quando os fabricantes de brinquedos não interferiam na produção e nos rumos de uma série. Ao final, demonstrou ter achado tudo muito divertido.
Conforme os produtores ligados ao licenciamento foram tomando a frente na Toei Company, Hirayama foi perdendo espaço e interesse. Em sua concepção, as histórias vinham em primeiro lugar, depois os produtos licenciados. A partir dos anos 80, a interferência da Bandai passou a ser decisiva, com os produtos sendo a justificativa em torno da qual as histórias deveriam girar. As séries tokusatsu, afinal, se transformaram em vitrines para brinquedos.
Ao longo dos anos, seu trabalho foi ofuscado e seu nome é lembrado mais pelos fãs hardcore, sendo pouco reconhecido no ocidente. Muita gente no fandom, inclusive, acredita piamente que Ishinomori criou sozinho os primeiros Kamen Riders e Sentai, o que é um equívoco. Já bem idoso e de saúde debilitada, consta que uma das últimas visitas que recebeu foi do ator Hiroshi Fujioka, o Takeshi Hongo/Kamen Rider n. 1. Hirayama estava em uma cadeira de rodas, e Fujioka se ajoelhou para conversarem um pouco. Pegou sua mão e conversaram sobre os velhos tempos. A cena foi posteriormente contada pelo filho de Hirayama, que presenciou a despedida daqueles dois homens de valor.
O veterano produtor faleceu em 31 de julho de 2013, aos 84 anos, vítima de problemas cardíacos. Sem ele, a Toei Company não teria se tornado a fábrica de super-heróis que é hoje, Kamen Rider não teria se tornado uma linhagem de sucesso, os heróis uniformizados de tamanho humano não teriam tomado o lugar dos heróis gigantes e sequer existiriam os Power Rangers.
Graças ao seu trabalho criando e gerenciando produções famosas até hoje, Toru Hirayama tornou a cultura pop japonesa mais dinâmica e divertida. Sem ele, tudo poderia ter sido muito diferente.
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