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Ale Nagado

Imigração Japonesa no Brasil

Falando um pouco sobre origens familiares e seu legado.

O navio Kasato-maru, em pintura de 2008.

Em 18 de junho de 1908, os primeiros imigrantes japoneses chegaram ao Brasil, desembarcando no porto de Santos após longa viagem no navio Kasato-maru. Vieram traalhar na lavoura, a fim de tentar juntar dinheiro para depois retornar ao Japão, que passava por série crise econômica na época. A maioria ficou por aqui, formando família e vendo crescer filhos e seus descendentes. São 116 anos de uma presença que influenciou a agricultura, o esporte e a cultura brasileira, entre outras marcas.


A imagem que abre esta postagem é uma pintura em tinta acrílica que fiz em 2008, sob encomenda para a editora MBooks, que lançou na ocasião o livro "Brasil Japão - 100 Anos de Paixão", com depoimentos de imigrantes e seus descendentes. Além da ilustração, também contribuí com um depoimento.


O Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, comemorado em 2008, foi um grande evento e tive a honra de participar de várias atividades relacionadas à cultura japonesa, indo além da minha habitual ligação com a cultura pop. Foi em 2008 que fiz uma viagem de intercâmbio ao Japão, um evento único promovido pelo MOFA - Ministry of Foreign Affairs do Governo Japonês. Eu sou neto de imigrantes japoneses, portanto sou definido como "sansei", ou de terceira geração de japoneses. Tanto o lado materno quanto paterno vieram de Okinawa, pequeno arquipélago no sul do Japão, que foi um reino independente até ser conquistado. Convivi com meus dois avôs (as avós faleceram antes que eu as conhecesse) e aprendi muito com eles, sendo que até os 12 anos, tive a alegria de morar sob o mesmo teto que meu avô materno, o sr "Mauro" Senkichi Uema, que passou boa parte de minha formação moral e senso de humor peculiar, até seu falecimento em 1983. Ele veio ao Brasil com apenas 15 anos. Meu outro avô, Chuzo Nagado, veio com 18 anos e também sempre tive muito contato com ele até seu falecimento em 1996. Ambos muito jovens e destemidos, fincaram raízes no Brasil e nunca mais voltaram ao Japão.


Meu avô paterno chegou ao Brasil em 1926, vindo de Okinawa no navio La Plata-Maru.

O La Plata-Maru foi uma embarcação importante em seu tempo, tendo feito muitas viagens para a América Latina. Na época da Segunda Guerra Mundial, no entanto, foi convertido em navio de batalha e foi destruído em combate.


Todos os meus antepassados vieram de Okinawa, uma das regiões que mais sofreram na Segunda Guerra, com um massacre hediondo ocorrido no fim do conflito.


A última linha de defesa de Okinawa contra a invasão americana foi o famoso Encouraçado Yamato. O massacre do povo okinawano, chamado de uchinanchú, inspirou a moderna canção "Shima Utá", sucesso no Japão e em vários países do mundo. Já a frustração pelo fracasso dos protestos contra a ocupação americana, nos anos 60, inspirou a canção "Ue wo muite arukou ~ Sukiyaki", primeira canção pop japonesa a fazer sucesso mundial.


Sobre o ativismo contra as bases americanas, dois escritores e roteiristas japoneses que protestaram ativamente por Okinawa foram Tetsuo Kinjô e Shozo Uehara, que se projetaram na Tsuburaya Productions, o estúdio que criou Ultraman. Pesquisar sobre conexões históricas é algo fascinante. E falando em História, resgato abaixo um depoimento que dei para um site comemorativo do Centenário da Imigração, em 2008.

UM CASO SOBRE A COLÔNIA JAPONESA E A GUERRA: Meu avô paterno, chamado Chuzo Nagado, na época da Segunda Guerra Mundial, era um dos "derrotistas", chamados de "makegumi", pessoas esclarecidas que sabiam da situação do Japão ao ser derrotado e falavam sobre isso. Havia também os que defendiam a mentira de que o Japão havia vencido a guerra, e esses eram os "vitoristas", ou "kachigumi". (leia "katigumi") O Japão fora aliado do nazismo e visto como inimigo do mundo ocidental, incluindo o Brasil, pátria que havia acolhido os imigrantes anos antes. Houve muito conflito e turbulência na época entre os imigrantes. Muitos estavam divididos entre a lealdade à pátria e seus ideais de paz. E havia os assassinos da Shindo Renmei fazendo vítimas entre os derrotistas. Meu avô era bem consciente da situação e manifestava publicamente suas opiniões sobre a guerra.

Sua posição contrária à atuação do Japão no Eixo lhe causou muitos desgostos e também quase custou sua vida em uma emboscada a tiros pela Shindo Renmei, mas ele resistiu, sobreviveu e protegeu sua família. Muitos anos depois, já no fim da vida, ele contou-me uma história que poucos imigrantes lembram, muitos não ficaram sabendo e que menos pessoas ainda têm coragem de mencionar. Logo depois que o Japão declarou rendição após os bombardeios nucleares que sofreu, um impresso da colônia japonesa divulgou que não só o Japão havia vencido a guerra, como também que a moeda dos países derrotados - incluindo a do Brasil - iria perder o valor. Os imigrantes japoneses que tivessem seus cruzeiros deveriam trocar tudo por ienes. Na verdade, era o iene que havia perdido o valor por ser a moeda de um país derrotado. Os que caíram nessa conversa trocaram seu dinheiro por ienes, entregando todas as suas economias para pessoas que estavam espalhando a história falsa sobre a vitória do Japão. O passo seguinte dos iludidos foi fazer as malas e ficar esperando nos portos por navios japoneses que iriam levá-los de volta para seu lar. Uma triste espera que foi dando lugar a um sentimento de desolação e desespero por parte dos que foram descobrindo a verdade.Foi algo muito triste, com japoneses explorando e enganando outros japoneses, um caso sombrio na história da imigração japonesa no Brasil. Mas que merece ser conhecida e divulgada. Alguns enriqueceram e deixaram fortunas para seus filhos e netos, que talvez nem tenham ficado sabendo da origem dos bens de sua família.

A guerra desperta o pior dos seres humanos e esse caso foi mais um exemplo disso.


SAIBA MAIS:

O Museu Histórico da Imigração Japonesa tem um sistema de buscas bem interessante para quem é nipo-descendente. Digitando o nome de seu antepassado que veio ao Brasil, é possível saber a data em que ele saiu do Japão, qual o navio e a data de chegada.




 

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